Neste blog são apresentados conteúdos literários. Para qualquer assunto podem contactar o autor via ruiprcar@gmail.com. Aceitam-se contributos de outros autores, de 4 a 24 de cada mês, relativos ao tema Natureza ou Universo :-)
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Não é possível ignorar a tragédia do Elevador da Glória, em Lisboa, esta 4ª feira, dia 3 de Setembro de 2025, pouco após as 18 horas. Na verdade, é difícil encontrar palavras para descrever o que se sente, quando quem tenta essa descrição percorreu por diversas vezes a Calçada da Glória, a pé, em ambos os sentidos e também no próprio elevador, igualmente em ambos os sentidos. Este é o caso do autor deste blog. Aliás, ainda no passado mês de Maio houve a oportunidade de descer no elevador, exatamente no que agora está totalmente destruído. Por acaso também foram trocadas algumas breves palavras com o guarda-freios que foi a primeira vítima identificada neste acidente. Sem qualquer dúvida, ficou uma memória de interagir com alguém simpático e disponível.
Não há dúvida que Lisboa está mais pobre. Em primeiro lugar, perde-se a possibilidade de ver a cidade de uma forma única; respirando paz e apreciando uma paisagem única. Fica aqui o convite para ver as duas primeiras imagens que são publicadas neste blog, e que mostram a Calçada da Glória antes desta situação infeliz, que levou ao falecimento de 16 pessoas.
Na primeira fotografia, podemos ver parte do elevador agora destruído, e a Calçada com a sua descida acentuada. A típica luz de Lisboa conferia uma tranquilidade profunda. Uma imagem de 2024.
Na segunda fotografia, podemos ver parte da parede à esquerda, que os utilizadores do elevador ou quem optasse por descer a pé, poderia olhar e ver, logo após o início da descida. Paredes que parecem transpirar alegria.
Mas Lisboa está mais pobre em segundo lugar porque desapareceu um elemento histórico que terá sido utilizado por Fernando Pessoa, porque o escritor nasceu a 13 de Junho de 1888 e instalou-se definitivamente em Lisboa, a sua cidade natal, após 1905… De facto, o Elevador da Glória terá sido inaugurado a 24 de Outubro de 1885.
Quando confrontados com esta realidade atroz, de difícil interpretação, parecem ser úteis estas palavras de Ricardo Reis, heterónimo de Pessoa, em 1914:
Colhamos flores. Molhemos leves As nossas mãos Nos rios calmos, Para aprendermos Calma também.
Calma parece ser a palavra-chave. Afinal, estamos a falar de um transporte público amigo do ambiente, porque elétrico e, portanto, não poluente, que neste momento por enorme infelicidade, se torna um símbolo da segurança que todos nós esperamos usufruir quando utilizamos um qualquer transporte público.
Aqui ficam duas notícias que nos podem ajudar a perceber melhor o que terá sucedido e compreender pontos de vista que estão a surgir:
Hoje ficamos ainda com um poema por Isabella Menezes e Silas Fonseca (Brasil), que nos fala de um rio, que podemos imaginar ser o Rio Tejo, e uma imagem inspiradora, por K. A. (Brasil), que nos leva a olhar para um amanhã de calma e confiança.
NA CURVA DE UM RIO, por Isabella Menezes e Silas Fonseca (Brasil)
Na curva de um rio, três amigos se calam enquanto as águas e a natureza falam de sobreviventes
Na curva de um rio, as águas revelam cantigas represadas em manhãs ensolaradas de primaveras distantes
Na curva de um rio, as águas são acordes, sonoridades são travessias, na outra beira estão as memórias erguidas de vento
Na curva de um rio, três amigos se curvam ao chamado vivo da natureza, e se tornam águas, pássaros, pétalas amarelas sobre a terra úmida
Na curva de um rio, tudo se movimenta na quietude que se faz e, na certeza do mar, em seu borbulhar, as águas vão em paz.
Por estes dias decorre a Feira do Livro de Lisboa e que alegria que decorra. Nos anos anteriores, poderemos dizer desde sempre… este evento foi um símbolo de magia nas nossas vidas, nós que adoramos alguns livros (não todos) como uma Princesa no topo da sua torre de sonhos inalcançáveis, como algumas poetisas Portuguesas do passado nos poderiam sugerir. Relembro, como se fosse uma lembrança trazida pelo vento que nos parece ser um mensageiro do passado, aquelas noites de verão em que as pessoas passeavam despreocupadas de banca em banca, com uma calma quase a roçar o desdém por alguém ali ao lado, fosse qual fosse a sua condição, e agora percebo que isso era só tranquilidade, como se existisse ainda um amanhã garantido e um pouco depois sempre fiel e sempre real, mesmo ali, naquele momento, naquele presente, verdadeiramente como um presente, que poderíamos desembrulhar a cada momento, qual dádiva sempre certa nas nossas vidas.
A cada noite, com um pouco de sorte, um pouco de perfume de jacarandá, a emprestar um pouco de exotismo e daquele azul em pólen refeito. Um cosmopolitismo que ali se edificava a cada momento e que se perfumava ainda com uma bela sardinha no prato, num Junho de Santos Populares. Ah! E aquela noite de Santo António com uma “procissão” de casados de Santo António a passear-se por aquela noite feita de livros, sonhos, comes e bebes, turistas, alegria quase eterna, negócios feitos, novos autores, literatura e quase literatura, técnica e construções por edificar.
As festas entre flores feitas de papel e Marchas Populares novas, renovadas e trazidas do passado afinal tão presente por ali, por todo o lado, nos nossos corações alfacinhas e forasteiros. Até parecia que o entardecer, cor de melão maduro, da Lisboa da Rua do Alecrim nos tomava por inteiro, num sabor a eterna juventude, eterna ilusão. E para rematar tudo isto, um sentimento de musicalidade vindo da Rua das Janelas Verdes, Lar da Madona, sim da Nossa Madona, que nos trazia esse sentimento de recentramento do mundo na nossa capital, como um crer capital no ser-se positivo e realisticamente vencedores.
E ali para os lados da Rua da Politécnica, ainda o nosso rasto, num passeio mesmo antes da Feira do Livro, sim porque literatura é vida, é crer, é imaginar mas é também técnica, é também ecologia. O Jardim do Museu de História Natural e o por do sol, por ali mais cor torrada leve, com as suas árvores centenárias e testemunhas de outros verões e outras pandemias, permitindo-nos relativizar tudo e manter os olhos no futuro que ai vem, mais esclarecido e marcado por um novo olhar mais inseguro e mais humilde.
Estes dias de Feira do Livro são dias de passeio com amigos, convívio e paz, nem que sejam com moderação e como recordação. “Viver é já vencer” eis a nossa nova crença e a nossa força para cada passo.
Ao fundo, como tantas vezes referido, o Tejo, com as suas águas tantas vezes reluzentes, a convidar o nosso olhar para o Oceano sempre lá, como marco gigantesco dos limites de todos nós como seres humanos, que nos inunde de sede de viver e nos faça agarrar a vida com as duas mãos e com todo o nosso sorriso.
Ali ao lado, do Parque Eduardo VII, fica o Jardim Botânico de Lisboa, com as suas pequenas paisagens tão… simplesmente, bonitas. No passado as estrelas cadentes davam direito a um desejo, e por ali, uma bela noite, uma estrela passou, e alguém desejou mais saúde, quero imaginar, e foi-lhe concedida. Cada árvore transformou-se numa testemunha desse momento e consta, imagino, que a cada noite segredam entre si, aquelas noites do passado agora se refazem e de novo podem trazer tudo o que queremos.
Ao passar por ali, um transeunte mais distraído, viu tudo e deteve-se por momentos. Os seus passos lentos, quase em desespero, reganharam ânimo. O céu daquela noite era todo feito de estrelas, quase sem luzes artificiais e assim, aquela abóbada de esperança se abateu sobre ambos. Os aviões também não rasgavam os céus e assim era a humanidade, de novo, mais carne, osso, sentimento que máquina e nadas. Uma noite de amor pela humanidade e uma tranquilidade em comunhão com aqueles seres sem sistema nervoso mas com sentir que não podemos explicar: as árvores, as plantas daquele jardim.
Depois com o nascer do sol, o acordeão e alguém a cantar enquanto outros comiam o pão feito pelos padeiros e padeiras daquela noite, a trabalhar para todos poderem viver e sorrir. Sim, porque na Pandemia do início do Século XX, também havia medo, esperança e alegria, pois que a coragem era ainda maior naqueles tempos.
Hoje, de novo na Feira do Livro, será tão melhor olhar para o social do evento e aqueles momentos de diversão mesmo que a comer uma qualquer sandes que ali seja vendida. Alguma música é tão importante para nos alegrar e fazer voltar a desejar ler um livro ou simplesmente olhar para uma capa e imaginar o que lá vai dentro.
Sonhar é acreditar e acreditar é esperar o melhor, mesmo enquanto o pião não volta a rodar despreocupado. Mas que importa……. Vou mergulhar nas águas geladas do mar de Carcavelos e aguardar mais um final de dia ardente de verão.