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Contos das Estrelas

Neste blog são apresentados conteúdos literários. Para qualquer assunto podem contactar o autor via ruiprcar@gmail.com. Aceitam-se contributos de outros autores, de 4 a 24 de cada mês, relativos ao tema Natureza ou Universo :-)

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“A grande extinção” por Joaquim B. - Antologia 2019 - Portugal

por talesforlove, em 09.02.21

A grande extinção


Albbano chegou cedo ao “Fetal”, com o coração de sangue frio em agonia. Na véspera,
vários dos seus torossauros poedeiros davam mostras de mal-estar e doença. Alongou o olhar
pelo extenso paúl em que habitualmente pastavam e não pôde evitar o desalento. Só meia
dúzia ainda era visível. Em ansiedade, apressou o passo para a chocadeira central.
O sol iniciava o percurso descendente sobre a área predominantemente agrícola que
será conhecida, sessenta e cinco milhões de anos depois, por Lourinhã e se estende bem para
dentro do espaço que será mar no futuro. Em todos os ninhos urbanos terminaram já as
diligências alimentares do período zenital, exceto no ninho de Albbano. Não é comum ele
atrasar-se, quanto mais não aparecer em tempo de tão vital necessidade. Almmina mantinha
quentes as fatias de ovos de anquilossauro com caules tenros de rhynia, enquanto, inquieta,
espreitava o caminho, na esperança da chegada iminente do companheiro. A certo momento,
achou que tamanho atraso não podia significar nada de bom e resolveu pedir ajuda ao filho de
ambos, através do comunicador. Alccino não se surpreendeu com a chamada da mãe, porque
era frequente ela ligar-lhe só para contar pequenas peripécias domésticas, mas quando ouviu a
voz angustiada da mãe a dizer que o pai ainda não chegara para se alimentar, entregou de
imediato as tarefas de extração salina que executava numa bacia marinha interior e correu a
procurar o pai. Já não era a primeira vez que ele se perdia ou dava sinais de desorientação.
— O teu pai saiu do ninho mal raiava o sol e disse que ia ao Vale Fetal, como todos os
dias — informou ela. — Estamos na época em que eclodem muitos ovos e é preciso não haver
descuidos com as dificuldades das crias.
— Está bem, mãe, não te preocupes que eu vou procurá-lo. Assim que o encontrar,
comunico contigo — sossegou-a ele.
Alccino transpôs rapidamente a distância até à exploração pecuária do pai. Com o olhar
percorreu as suaves ondulações cobertas de polipódios, onde pastavam pachorrentamente
uma dúzia de torossauros, e a tentar discernir que animais chafurdavam na lonjura dos paúis
das zonas baixas. Não viu a silhueta altiva do pai, um parassaurolofo corpulento, mas um pouco
dobrado pela idade. Entrou na chocadeira central, e os funcionários disseram que o tinham
visto cedo, mas que ficara abatido quando soubera de mais três eclosões goradas.

Alccino pediu a dois para, em conjunto, fazerem uma busca na exploração.
— Eu vou pela encosta do lado esquerdo, e vocês procurem no vale, junto à zona
húmida! A propriedade é grande e ele pode estar caído em qualquer lado.
Embora achasse que era mais provável encontrá-lo nas zonas baixas, pensou que, em
cotas mais elevadas podia avistar maiores distâncias e descobri-lo. Após um tempo de
caminhada atenta pela vertente da ladeira, alcançou o alto da colina. Cheiros adocicados
embebiam-no. Por momentos, abstraiu-se do que o trouxera ali. Olhou em toda a volta. Para
norte, a vista admirável e querida do seu Vale Fetal, com o verde de vários matizes a colorir a
distância até à vertente oposta e mais além. Para sul, a dois vales de distância, as manchas
redondas e ocres dos ninhos urbanos da povoação. Mais perto, os vales dos vizinhos e amigos
Olvvonos e as suas explorações pecuárias de alamossauros, os enormes herbívoros ternos e
pachorrentos. Seria possível que o pai tivesse vindo visitar os amigos? Antes de decidir procurálo junto dos vizinhos, pensou entender o que acontecera. O pai tinha ficado desanimado com as
notícias da manhã na chocadeira e, com a idade, isso desorientara-o. Veio-lhe à memória outro
episódio de há muitos anos, quando uma epidemia lhe matara dezenas de animais. Nessa
altura, foram encontrá-lo amodorrado numa enorme rocha lisa virada ao sol do oeste, donde se
avistava o mar e aonde só se chegava por uma vereda. Avisou a mãe e pôs-se a caminho.
Realmente foi encontrar o pai alapado na Pedra do Poente em grande prostração. A
crista, habitualmente alaranjada, era agora cinzento-esverdeada. Não parecia ferido, só
abatido. Aproximou-se suave, mas não furtivamente. Queria ajudá-lo, não invadir a sua
privacidade.
— Então, pai! Está aqui! Estávamos a ficar preocupados...
Não obteve reação. Albbano mantinha um olhar de enorme tristeza perdido na lonjura.
Nada parecia poder animá-lo.
— Não fique assim, pai! — disse Alccino cheio de ternura. — São só mais três ovos
gorados. Já aconteceu muitas vezes.
O rosto do ancião baixou, em dor interior, sem responder.
— Tem de aceitar, pai! Os tempos de fartura e fertilidade já lá vão. Este é o mundo que
temos agora.
Alccino comunicou com a mãe a sossegá-la e continuou a tentar animar o pai, com
argumentos racionais de relativização dos prejuízos. Finalmente, Albbano começou a falar em
voz baixa, pausadamente.
— Não são só mais três ovos gorados, filho! Nós estamos a extinguir-nos. O ambiente
está envenenado com os compostos de irídio que servem para tudo. As crias não conseguem

romper a casca. Está cada vez mais dura e inquebrável. E não é só com os animais. Como já te
contei algumas vezes, para tu nasceres, houve que quebrar a casca artificialmente. Nós, os
parassaurolofos, praticamente já só nascemos de crustatomia. Se não fossem os cuidados
obstétricos, desaparecíamos. O panorama geral é preocupante. As crias não conseguem romper
a casca, os ovos não são fertilizados, as populações de todas as espécies estão a diminuir a um
ritmo assustador. Todos os anos desaparecem muitas espécies para sempre.
Calou-se, por momentos, como que a lembrar-se de outros exemplos. Alccino respeitou
o silêncio do idoso.
— A destruição da vida no planeta, tal como a conhecemos, está a tomar proporções
gigantescas. Dantes, além, avistava-se o tremeluzir da superfície do mar. Agora, o que se vê são
reflexos de objetos a flutuar. Mantas de tralha a cobrir enormes áreas de oceano. Há quanto
tempo lá não vais? É triste, deprimente, apetece não voltar lá mais. Como nos deixámos chegar
a esta situação? Estamos mesmo em perigo, acredita!
Fez uma pausa, a ganhar alento.
— Eu vou-me informando, sabes! Recebo revistas científicas. Já houve outras épocas da
Terra com indícios semelhantes e que resultaram em enormes extinções. A maior foi há 185
milhões de anos, que fez desaparecer 96% das espécies marinhas e 70% das terrestres. Devido
à gravíssima situação que atravessamos, os cientistas já lhe chamam a Extinção em massa do
Cretácico, a época atual, ou a Quinta Extinção. Estão registadas cerca de 800 espécies extintas,
nos últimos quinhentos anos, mas, como a maioria não está documentada, os cientistas
calculam que é mais provável que se tenham extinguido entre vinte mil e dois milhões de
espécies, só no último século. E, tendo em conta os limites do conhecimento atual, a taxa anual
de extinção pode chegar às 140.000 espécies. Estamos no limiar da catástrofe.
Alccino agachou-se, abatido pela força terrível dos números que o pai lhe atirava. A
preocupação com o desaparecimento do progenitor desvanecera-se, mas agora um peso
inesperado acabrunhava-o. Como era possível que nunca tivesse ouvido falar disto?
— Percebes, agora, porque estou desanimado, sem esperança? — interpelou-o
Albbano. Há muito que me vou dando conta do que os cientistas vão divulgando.
— Mas, pai — reagiu Alccino —, não são só teorias malucas de tipos que veem um
mosquito e lhes parece um alamossauro? É que eu nunca ouvi falar disso…
— Não, Alcci, quem afirma que a extinção atual é um facto são cientistas conceituados
entre os seus pares. Dão conferências, mostram dados, mas parece que ninguém os ouve. E
dizem mais; dizem que somos nós — a espécie dominante —, que estamos a provocar a
extinção em curso. Com a caça intensiva, a introdução de organismos perigosos para os nativos,
a destruição dos habitats naturais, a desflorestação, a sobreexploração agrícola, a poluição e o
envenenamento com agrotóxicos e hormonas pecuárias. Isto, sem falar do problema que está
na raiz de todos estes: o crescimento populacional contínuo da nossa espécie e o consequente
sobreconsumo.
— Mas sempre houve espécies a desaparecer de maneira, digamos, natural, pela natural
seleção natural…
— Sim, só que com a nossa ação, a que alguns também chamam natural, mas de
extensão e intensidade avassaladoras, a perda de biodiversidade é dez a cem vezes mais rápida.
E seremos nós que acabaremos por pagar um preço demasiado alto, pela rápida diminuição do
único conjunto de vida que conhecemos no Universo. Ficaremos sozinhos.Sem a concorrência
que vencemos, extinguimo-nos também.
— Isso não pode ser assim tão dramático, pai. Nós somos a espécie mais bem sucedida
de toda a história do planeta...
— Este sucesso começa a parecer demasiado catastrófico. Quando há tipos que, como
eu, prestam atenção aos problemas ambientais, também não sabem como resolvê-los ou
ajudar a minorá-los. A minha “solução” hoje foi esta: deprimir-me. A da nossa espécie devia ser
positiva, assertiva, concertada, global, muito profunda. Eu não quero mostrar-te para onde
deves olhar, só gostava que tomasses consciência de que há muita coisa a distrair-nos e que
nos deixamos alegremente ocupar com problemas menores. A maior razão da minha
desesperança é que não acredito que algum dia consigamos inverter o caminho de razia que
trilhamos. Quando deteriorarmos o planeta a um nível irreversível, seremos nós a extinguirnos. Ironicamente, essa pode ser a solução para o planeta: livrar-se de nós.
Albbano calou-se. Pai e filho mantiveram-se pensativos ainda por algum tempo. Talvez por ter
desabafado, Albbano começou a sentir-se com forças para regressar. Em passos brandos,
porque já anoitecia, dirigiram-se para casa, em silêncio. Por cima do horizonte, ia nascendo o
cometa, que, havia meses, iluminava as noites em todo o mundo. A enorme cauda ocupava já
todo o lado nascente do céu. Caminhando para aquele clarão, pareceu-lhes que a esperança
num mundo renovado aumentava no seu ânimo.

 

Até breve.

Hoje Dia Mundial do Sonho III: "Amor" por Viviane P.

por talesforlove, em 25.09.20

Amor

 

É preciso!

Quantos já disseram isso, mas é preciso!

Ame assim mesmo, ame a si mesmo,

Sem preconceito,

De qualquer jeito,

Com seu jeito imperfeito,

Ou ame direito,

Mas, ame!

Ame qualquer sujeito,

Ame o conceito!

Ame, sim, com efeito,

Ame também o defeito,

Ame o eleito,

Mas, ame todos com respeito!

Ame! Com dor no peito,

O insatisfeito e o contrafeito,

Mas, ame mesmo!

Ame sem proveito,

Ame o amor refeito,

Ainda que liquefeito,

Mas, vá e ame!

Ame até o amor desfeito,

Porque amor, sim, o amor,

É portão que fecha estreito

Se o recebo, mas não aceito!

 

 

Amor II

 

Deixa que transborde e extravase

Que a mistura vá ao chão

E deixa que quando caia

Escorra pelo mundo

Deixa que se esvaia

Ao topo saindo do fundo.

Deixa que atraia muita atenção!

Deixa que cause espanto

Deixa que o céu escute

Porém, que não vá ao pranto

Por um ciúme qualquer.

Deixa que fique bonito

Que venha de onde vier

Que do chão vá ao infinito

E que o ódio não o dispute

Mas, do silêncio que vá ao grito

Entrega-o, pois, a quem puder!

 

Até breve.

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