Para recordar o fogo de Pedrógão, a 17 de Junho de 2017
Verão 2017
Queria que o tempo do calor fosse perfeito.
Braços espraiados, manhã fresca e nova,
bolhas de sonhos a rebentar nas ondas, no peito,
e um ar leve, perfumado, morno, rarefeito, que renova.
Mas tudo se foi na veloz labareda,
que comeu os sonhos de outros, como bolos,
deixou o açúcar converter-se em nada e
a água do rio elevar-se para as nuvens,
e de lá se desprenderem em gotas,
sem dádiva, em choro que tolhe.
E por cá ficamos todos, a olhar para lá,
pelo ecrã, pelos olhos de outrem, pelos nossos,
a ver o que se desfez, tudo outra vez.
Muito mais sós.
Para mim, não será o mesmo, este Verão
embora o meu seja mais do mesmo, que o dos outros não será.
Todos sofremos profundamente à vez, para sermos assim:
capazes de nos ampararmos com força no coração.
Deles se desprenderam amigos, escoaram-se vidas,
que são abóbadas sem pedra, são céu, rimas perdidas,
são agora janelas sem cortinas, sem adeus;
restando-lhes o terno consolo de Deus.
12 e 14 e 16 de Julho de 2017
por Rui M.