Neste blog são apresentados conteúdos literários. Para qualquer assunto podem contactar o autor via ruiprcar@gmail.com. Aceitam-se contributos de outros autores, de 4 a 24 de cada mês, relativos ao tema Natureza ou Universo :-)
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Esta semana, em Portugal continental, devido à seca e altas temperaturas, acima de 40º C, verificaram-se vários incêndios de grande dimensão. Os prejuízos são de naturezas diversas sendo a perda de uma vida humana, a do Piloto André Serra, a que é a mais relevante. Não fosse esta perda, hoje não haveria muito a dizer. Afinal, a prevenção não é ainda a suficiente, sobretudo em contexto de clima alterado e despovoamento de algumas regiões. Acresce, a crescente desmotivação de muitas pessoas que não se sentem seguras em investir nas suas propriedades, em geral, de pequena dimensão. Sem dúvida, o diálogo mais próximo é essencial, a par da dignificação de quem age limpando os terrenos, tarefa que durante o ano raramente é notícia.
Campo de flores
Flor que ondulas com o vento... e semeias sentir ternurento dá-nos o eterno alento de crer num melhor amanhã.
Protegemos esse campo presente, sempre verde, fresco, caule de paz, que permites na nova semente: a plena esperança que aqui jaz.
Nota: ao Piloto falecido.
Igualmente, em vários outros países europeus (Espanha, França, Itália, Croácia, etc.), o calor provocou e provoca incêndios de grande dimensão, o que chama a atenção para a necessidade de prevenir estes eventos. Independentemente do contexto humano e material, estes são sempre uma tragédia humana e ambiental, para a qual a prevenção é o melhor remédio.
Antes do que o ar for criado, o céu era preto e a luz era dura, sem esfumaduras. Tudo era silêncio, as árvores ficariam firmes... Na verdade, se querermos expressar toda a verdade, nem havia árvores ou animais. Só uma paisagem fantasmagórica, feita de montanhas ásperas e vulcões. As rochas - que pareciam cortadas com um machado - ressaltavam como silhuetas contra um céu sempre preto. Os rios corriam impetuosos, negros como tinta, refletindo o céu. Um dia, do nada, uma pequena esfera transparente começou a inchar, como uma bolha de sabão, tornou-se cada vez mais gigantesca, e em seguida abriu-se e lançou o vento. Foi como um sopro de liberdade... O azul explodiu no céu e as águas reverberavam-no com mil tonalidades. Finalmente, a vida das plantas e dos animais podia começar, as árvores podiam roçar, alguém poderia ouvir o barulho do vento e das pedras caindo. O que tinha acontecido? Um elfo, livre de herança e riqueza, implorou ao Criador para dar-lhe um sopro de vento, algo que não custaria nada, apenas um sopro, e foi assim que houve o ar. Como todos sabem, a respiração e a palavra não custam nada, mas são o mais que exista de vital. As cores se mexiam num arco-íris iridescente com reflexões e transparências evanescentes, como as asas de uma libélula enorme. O mesmo elfo que tinha aplicado para se tornar "mestre do vento", olhando no seu rosto reflexo em uma poça de água, descobriu as próprias sombras e esfumaduras... Detalhes que faltavam até um momento antes, quando seu rosto parecia uma meia-lua, meio claro e meio completamente preto. Até aquele tempo, não havia pássaros nem outros seres voadores, até mesmo faltavam todos os animais que respiram. Também faltavam as plantas, que precisam de ar para viver. Portanto, em toda a Terra, apenas os elfos e os cristais foram testemunhas do evento maravilhoso. Os elfos contam isto em suas tradições, que permanecem gravadas em uma veia de ouro puro, como em um livro secreto, na parede mais escondida, na caverna mais profunda de todo o planeta. Esta página de sua história não tem título "O nascimento do ar", mas começa com a frase: "No dia em que se viu o primeiro arco-íris". Os elfos, de fato, não precisam de ar para respirar, mas ficaram tão impressionados com a grande explosão das cores, como em uma bolha de sabão iridescente, ricas de tons e matizes, nunca vistas antes, que marcaram a data, desde então e para sempre, como "tempo zero" de seu calendário. A primeira rajada de vento levantou turbilhões. A coisa mais leve do mundo, na época, era um grãozinho de areia, porque ainda não havia folhas ou penas. Esta é a história de um grãozinho que foi levantado, nos desertos da Ásia Oriental, e começou a rodopiar com os redemoinhos de areia. Conheceu muitos outros grãozinhos como ele, arranjou um monte de amigos e descobriu o mundo com gosto. Tanto gosto que, a partir daquele momento, nunca mais voltou para o chão. Ele percorreu um caminho igual a mil vezes em torno da Terra, mas - mesmo assim - não foi capaz de ver tudo. Nosso grãozinho ficou por muito tempo confuso em uma nuvem vermelha, que girava acima dos desertos da Mongólia. Não poderíamos dar-lhe um nome mais familiar? O chamaremos Paulinho, permitindo-nos um pouco de familiaridade, apesar de sua idade. Então, o grãozinho Paulinho se embarcou para uma longa viagem, velejando com alguns amigos para a costa do Oceano, e então viu pela primeira vez, abaixo dele, o verde das árvores. Paulinho sentiu o fardo da umidade, quando o vento forte do deserto se mudou com a brisa do mar. A viagem tinha-lhe - por assim dizer - entrado para a corrente sanguínea, e não queria parar. Sob ele estava voando uma criatura estranha, nunca antes vista, com duas grandes asas abertas, deslizando suavemente, e conseguindo assim pegar cada mínimo sopro de ar, de maneira que nunca descia da altitude. Com uma manobra inteligente, Paulinho entrou em uma pena da asa desse grande pássaro. Agora, ele poderia aproveitar a viagem sem se preocupar com a umidade ou com o calmo de vento. Ele tinha certeza de que seu carreiro iria levá-lo para qualquer lugar do mundo, sem sequer fazer-lhe pagar o bilhete. Veio porém um dia em que o grãozinho percebeu que seu transportador não estava mais em movimento. Paulinho já não sentia a sensação do ar e percebeu que seu hospedeiro não podia mais se mexer. Uma comoção, muito barulho ao redor. Bicos enormes batendo de todos os lados, para comer a carne da ave que o tinha guiado pelos céus do mundo. De repente, tudo em volta dele ficou escuro e Paulinho encontrou-se em um mundo de enzimas quentes e úmidos, ricos em ácidos e outras substâncias estranhas que ele não conhecia. Foi uma sorte que a sua compleição forte, de quartzo e sílica, lhe permitiria evitar ser digerido, e nem sequer ser atacado por todos aqueles sucos. Ele ainda podia sentir o movimento da viagem, mas por um tempo não sentiu mais o ar por cima de si. Finalmente, a libertação. Paulinho viu novamente a luz e logo se encontrou rodando em um céu flamejante, feito de fogo ardente. Não era um pôr do sol tropical, mas a erupção de um vulcão enorme. Paulinho de areia se viu apanhado no vórtice de uma enorme nuvem de cinzas, que pairava sobre o planeta. De lá, via os continentes, mares e rios. Uma paisagem verdadeiramente estupenda. Uma partícula minúscula de pedra-pomes se agarrou a ele. Paulinho nunca tinha-se visto a si mesmo em um espelho. Naquele dia, sua amiga disse-lhe que era uma maravilhosa peça de quartzo iridescente, uma gota de vidro vulcânico, que refratava as mais belas cores do espectro... Uma pena verdadeira, que ela não se pudesse admirar! Por muitos séculos, a nuvem da erupção cobriu os céus do mundo. Foi a longa lua-de-mel com a Pomicinha sempre ligada com ele. Abaixo deles, as cores se tornaram obscuros. Era a sombra de sua nuvem, que cobria e resfriava o globo. Na altitude, no entanto, que maravilha de luz e cores! Os grãozinhos rodavam, arrastados por cada sopro de vento, para compor todas as tonalidades do arco-íris, todas as reflexões, todas as transparências que podem sair dos jogos entre os minerais nascidos no ventre da Terra. Nessa altura a Terra, vista do espaço, deve ter parecido um grande globo luminoso, ou pelo menos cercado por uma espécie de lenço brilhante. Ao longo do tempo, a nuvem era destinada a assentar-se. Um dia, finalmente, Paulinho viu a superfície da Terra: quanto tinha mudado! Tudo era verde, o mundo era povoado por animais de todos os tipos. A corrente de vento que levava os grãozinhos foi assentando-se. Foi então que Paulinho e a sua parceira decidiram não parar nunca mais na superfície do globo. Era demasiado agradável viajar, levados pelo vento, e ver o mundo mudando, com todas as cores e todos os seus perigos. Quantas vezes arriscaram de ser queimados pela erupção de um vulcão! Um par de vezes as correntes do ar, nas montanhas, os levaram até os limites da atmosfera. Nessas altitudes, Paulinho viu novamente o céu negro acima dele, como no início de sua existência. As coisas ao seu redor mudavam. Os sopros de ar os arrastavam de cima a baixo, por todos os continentes e sobre os mares, e faziam sentir vivo o Paulinho, com a sua parceira Pomicinha. Os dois, no entanto, não mudavam, ficando sempre os mesmos que no primeiro momento da sua existência. Eles nunca foram alterados, não respiravam, não cresciam, não estavam vivos. Durante a longa viagem, suspensos no ar do planeta, tinham visto muitos seres vivos nascendo, crescendo, envelhecendo e morrendo. Os dois, no entanto, como todos os grãozinhos de areia, mantiveram-se sempre iguais, como no primeiro dia da sua existência. O ar era importante, essencial para o movimento contínuo, mas podiam também existir sem ele. Até viam com maravilha que os seres vivos do mundo animal e do mundo vegetal, nesse globo rico de cores, ao qual eles também pertenciam, não poderiam existir sem aquela camada de ar, que não só dava-lhes as cores, as sombras, mas também o movimento e mesmo a vida. Um dia apareceu um longo cilindro branco, flamejante, subindo rapidamente, disparado a partir do solo. Eles queriam experimentar a emoção de apanhar esse objeto: eles tinham ouvido dizer que era a mais recente descoberta, em termos de viagens, e que poderia levantar-se muito mais alto, até onde ninguém tinha ido antes. O longo tubo de metal branco foi rapidamente para o céu azul, mas alguns instantes depois, o céu tornou-se negro, completamente preto e cheio de estrelas, como no primeiro dia do mundo. Em princípio, Paulinho e Pomicinha não percebiam a sensação de viajar com uma velocidade assustadora. Então eles viram debaixo deles o globo azul, que se tornava visivelmente mais pequeno, e eles sabiam que aquele era o mundo em que sempre tinham sido, desde o primeiro de seus dias. Por um momento, sentiram uma sensação nunca experimentada, um tipo de medo ou ansiedade, algo que um grãozinho de areia nunca deveria sentir. O ar não estava mais lá, mas voavam, com uma velocidade impressionante, no espaço profundo, sem ruídos, sem toques, porque não havia mais o fluxo de ar sobre eles. A expedição espacial terminou com um pouso na superfície da Lua. Com o impacto, os dois grãozinhos de areia foram lançados a partir da casca do navio e caíram sobre uma pilha de poeira lunar. A viagem de Paulinho e Pomicinna tinha parado. Nos céus negros desprivados da atmosfera, nunca mais poderiam encontrar nem um sopro de ar para os levantar. Só podiam observar desconsolados - para sempre - aquele grande globo azul, alto no céu da Lua, em que podiam ver ventos e tempestades a mover continuamente enormes nuvens brancas, rodando em forma de espirales. Em Paulinho e na sua companheira surgia, a partir de profundo, uma espécie de saudade. O mundo do movimento contínuo tinha-se mudado para eles no mar da Paz Eterna, onde nada muda e onde o céu é sempre preto. O reino da quietude eterna. Próximo a eles, plantado no solo da Lua, um mastro com uma bandeira que nunca poderia bater no vento.