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Contos das Estrelas

Neste blog são apresentados conteúdos literários. Para qualquer assunto podem contactar o autor via ruiprcar@gmail.com. Aceitam-se contributos de outros autores, de 4 a 24 de cada mês, relativos ao tema Natureza ou Universo :-)

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3 Poemas e 1 Livro

por talesforlove, em 12.11.23

Hoje publicam-se três poemas, todos eles com uma abordagem diferente.

Recorda-se que está a decorrer o Concurso Literário Natureza África, conforme a publicação anterior.

Pela primeira vez, informa-se que estamos a recolher fundos para um livro solidário, na área da saúde e culinária. Para mais informações, por favor, envie-nos um e-mail para ruiprcar@gmail.com. Obrigado.

 

A meio (do tempo) da madruga, por “Miguel S.” (Portugal)

 

A meio da madrugada, acordou-me o Tempo.

Senti.

Eu era um elo numa corrente,

de vida e metal; um elo.

o Sol aqueceu a Pele,

o rubro-rosa invadiu-me,

eu era gota de Infinito;

esse ser nunca visto

mas sentido sempre.

Andrómeda chama,

o seu calor, vislumbro-o,

no meu coração,

não aos meus olhos.

 

No exato momento em que o Sol cismava sobre mim,

olhei o horizonte…

Lá encontrei o meu reflexo;

um nada revelou-se…

Tão pequeno, tão sem escolha humilde,

Um ponto no firmamento,

Mais pequeno que um ponto de luz.

Sem cor, apenas efémero,

Como a onda que bate, na areia,

a espuma que se dissolve,

um segundo efémero;

o peixe balão que não vi…

a criança que não riu…

Tudo o que não vi e, ditatorialmente,

não faz parte de mim…

 

E eu ambicionava ser espuma,

não temer o calcário, a pedra,

o frio, o gelo, o cadáver, o medo,

a morte, a vida… o tubarão.

Andrómeda, chamou-me…

e eu fui…fugi.

 

A meio da tarde: capitulei.

Sou um elo, não tenho o direito,

a negar-me ser esse pedaço de intemporalidade.

Eu sou caminho, um caminhante que doa o testemunho.

 

A noite fechou-se sobre mim.

Vi-a. Era dominadora.

Não a abracei,

Porque não podia.

 

A madrugada chegou e,

Só então: as pálpebras desceram.

Esqueci-me de tudo, esvaneci-me.

A Pele sentiu o Sol…

Enrosquei-me como um caracol.

 

 

Os dois poemas seguintes remetem para o ser-se criança e tudo o que isso pode implicar. Existem desafios e sobretudo a esperança de muitas brincadeiras!

 

 

Alenice no Vale das Araucárias, por Carmen Seganfredo (Brasil)

 

Trazei lápis, papel, tinta,

a paleta da aquarela.

Trazei o olhar da criança,

o silêncio da vaca amarela.

 

ABC faça a sua parte!

Lembrança, risque o papel!

Com calma, bem devagar.

Com dom, talento e com arte,

rabisque pedras, riachos,

favos de abelhas com mel!

As raspas doces dos tachos

Os folhetins de cordel.

 

As correrias cortantes,

em meio ao milharal!

O cheiro de pessegueiros.

de erva-mate e xaxinzal.

O vento no canavial.

Escaladas no coqueiro.

Êta vista fenomenal!

 

Em linhas, belas, retilíneas

Sete espécies de gramíneas

Arroz que não há igual.

Florestas de araucárias,

altas, fortes, centenárias,

misturadas às bananeiras.

Eis que entre morros, ladeiras,

No vale das araucárias,

surge, intacto, o meu lar.

 

De repente, sem cansar,

nas asas da imaginação,

salto muro de três metros,

rompo as grades do portão.

Rebento a chave da porta

Quebro tranca e cadeado,

alarmes, gongos, dobradiças.

Rompo janelas, vidraças,

se estilhaçando no ar.

 

O perfume do jasmim,

entrando pela janela,

se espalhando no jardim,

sob o voo do colibri,

sob o andar do caranguejo.

Ao sabor do dia sem pressa.

Ao som de risos, gracejos.

 

Com uma lanterna na mão,

me aventuro até o porão.

Um barril tomba de um lado.

Rola outro pelo chão.

 

Os cheiros se sobrepõem,

frutas, cereais e feijão.

vermute, vinho e quentão,

paçoca, rapadura e rojão.

Êta mistura danada!

É tempo de São João!

 

Vejam só o que é façanha.

Misturado na farinha,

no vinho, pão e linguiça,

rompendo teias de aranha,

desde o teto até o chão,

salta o gato encurralado,

escoiceando qual alazão.

 

Sobre cachos de bananas,

pula o macaco e o cão.

Em engradados de Grapettes,

a corrida se repete.

Tombam vidros de chicletes,

que eu apanho com duas mãos,

gargalhando em alto som.

Se arrastando, um ancião

surge, empunhando um lampião:

 

- Quem invade o meu porão?

Irrompendo qual furacão?

trazendo à vida, almas mortas!

Pisoteando forte ao chão

Quebrando as trancas das portas

Nesta velha moradia

Fazendo bater coração

Onde nem mais pulso batia?

 

- Maravilha, quem diria?

Com meus gritos de alegria

Acordei quem já dormia!

Na magia da alquimia.

No sono eterno dos dias.

 

- Oh, é você, vida minha!

Quanto por ti eu busquei;

Disfarcei o que podia.

Não me deram novas tuas,

perdi a vergonha e chorei.

 

- Cadê a nossa mesa cheia,

com fartura e parentesco

Que cá estou e ainda não vi?

Cadê o cheiro de café,

transbordando leite fresco?

O canto do bem-te-vi?

O preparo para a ceia?

A fumaça na chaminé?

A chaleira no fogão,

As brasas queimando o chão?

 

- Sua mãe planta lá na horta,

No canteiro todo em flor

Figo, alface, uva e romã.

Ou assa cucas, faz tortas.

Ou borda no bastidor,

vestidos de borboletas

de cor bege e violeta,

para você e sua irmã.

Ou enquanto reza e medita,

Faz pra noiva um enxoval

Repleto de rendas e fitas.

 

Procure, vasculhe, veja!

Pode ser também que esteja

Lá benzendo o temporal.

Enfrentando o vendaval.

 

Ou, verdade seja dita

Isso ela também faz

Às vezes esbraveja, grita

Com fervor a bíblia cita

 

contra uma corja maldita,

censores da liberdade, da paz.

 

 

 

Seu pai vende no armazém,

fiado para quem não tem

comida e sequer vintém.

Ou se desdobra em dez mil

Pra convencer o viajante

De que anda tão senil

Devido a uma moléstia febril,

Que esqueceu que desde abril

Deve esta conta aviltante.

 

Sua irmã chora lá no canto,

porque nem sapato tem.

Outra irmã vem do internato,

cheia de novidades.

Se chamando juvenista.

Com ares de sabichona,

olha a moda na revista

Discute até com a nonna.

Conta histórias, lê aventuras!

Desenha pássaros, flores,

com arte, talento, encanto.

Escreve versos de amores.

Lê poemas, entoa hinos!

Faz tortas de todas cores.

Vestidos, de rendas, finos.

 

Vamos, vamos, Alenice!

fazer no cabelo a trança,

que é tempo de meninice.

Neste dia que não avança,

correr da sala à cozinha,

da varanda ao fim da linha.

 

Antes que a enchente suba,

Que a chuva aumente e nos cubra.

Vamos, menina, anda!

Vá cantar lá na varanda

A música da Viuvinha

Ao aroma da canela,

Ao ruído da chuvinha

Ao chiado da panela

Ao sabor do bom café.

 

Enfim, faça o que quiser!

Quem sente que está onde ama

Se diverte até na lama.

rola montanha, se arranha,

se embola, fere, se esfola,

gargalhando até o sopé.

Se, de castigo, apanha!

Saltita nas molas da cama.

Brinca seja onde estiver.

 

Num piscar estou na venda,

Na avenida Araucária.

Nem número a casa tem.

Êta infância extraordinária!

 

Vem entrando, freguês, vem!

Velhos, adultos, crianças.

Comprem, que aqui tudo tem.

Aponto com a mão e sugiro:

 

Queijos, baleiros, balança.

Do que mais gosta a piazada?

Sorvete seco, suspiro?

Chocolate, maria-mole,

bala, chiclete, pirulito?

Ou doce de marmelada?

 

Para a turma de boné:

Tem bombinha e busca-pé.

Bolitas de todas cores.

Carrinhos e o que quiser.

 

Bem na ponta dos meus pés,

mal alcançando o balcão,

Ofereço com duas mãos,

vinho doce em garrafão

e bandejas de pinhão.

Pão quente, bolo, cachaça,

vermute, grãos e café.

 

Conto o dinheiro, trocado

Um lindo anjinho barroco

Entra na venda de troco.

Aqui é importante a fé.

 

Quando a freguesia vai embora,

sei que chegou a hora,

de espanar mesa e balcão

com o velho espanador

de belas penas de pavão.

Varro a poeira do chão.

Só não vou lavar mais copos,

porque já feri a mão.

 

Hora de ir à escola.

Tentar gazear nunca cola

E é tão perto que eu diria

Que nem a Irmã Inocente

que adora punir inocentes

Conseguiu colocar a gente

Nos castigos que queria

Por atraso de um só dia.

 

Depois é só diversão.

Vou ler no fim do terreno,

onde uma vaca me olha.

com um sorriso lhe aceno.

 

Eis o meu refúgio querido,

Ar puro qual da Amazônia

Que eu chamo de Evasão.

ali eu brinco com a Ivânia,

vizinha da mesma rua.

Amiga do coração!

 

Lá vamos nós as duas

Pular corda, amarelinha

Nas calçadas, em plena rua

dar palmadas na peteca.

Brincar de mãe, de casinha

Embalando uma boneca

 

Entre pilhérias, risinhos

Com carinha de sapeca

Vamos as duas de fininho

Comer pêssegos no pé,

trepar em árvores, sem medo

sustentadas pela fé.

 

Falando baixo, em segredo

Pisamos em galhos finos

Mesmo que a rama estremeça

Viramos de ponta cabeça.

Para ver o mundo às avessas.

 

Ficamos horas assim

Vendo no chão, o capim

O canteiro de amendoim

Os moranguinhos maduros

Em meio à sálvia, o alecrim.

 

Quando quero vou correr.

Além da cerca vizinha,

sob o parreiral de uva.

Faça sol ou faça chuva

É toda vontade minha,

cruzar espaços e linhas!

 

No correr perco o sapato.

Tropeço, rasgo o vestido.

Chorar por pouco é bobagem.

não adianta, e é sem sentido.

 

Vejo um morro de serragem

Brincar nele é um espetáculo!

Com a presteza de um potro

Salto barreira, obstáculo

Pra alcançar a serraria

Quando o que o meu pai queria

É que eu fosse à padaria

Com um pé e voltasse noutro.

 

Lá no alto, o Seminário

Subo o monte até o cume.

Escorrego morro abaixo.

Num tombo extraordinário.

 

Cruzo o colégio das freiras.

E com duas piruetas certeiras

Mergulho lá no riacho

e atravesso a ponte embaixo.

 

Num salto agarro um galho,

Tombo às margens, rolo ao chão.

Sigo em frente qual andarilha,

pelas ruas de Maravilha

Cidade do meu coração.

 

 

As peripécias de Lucas, por Carmen Seganfredo (Brasil)

 

Na praia de Sta Terezinha.

Após longa caminhada

Com charadas, adivinhas

As mãos cheias de conchinhas,

Lá vai o Lucas, ligeiro,

 

Recolher lenha, madeira

Fazer fogo na lareira,

Fumaça na chaminé!

 

Ao som de risos, gracejos.

Joga basquete, raquete.

Dá palmadas na peteca

Joga Uno, xadrez, cartas.

 

Faz mágicas, às vezes acerta

O nariz escorrendo meleca,

Arremessa forte a bola

Pula a cerca do vizinho

Rola a bola e cai na lama.

Ele limpa na blusa e reclama.

 

Mas logo em seguida sorri.

Sobe em árvores, monta em cães.

Come balas, bolos, pães

Mangas, uvas e ariticuns.

Aos arrotos, espirros e puns.

 

Empina pipas, aviões,

Faz estouros de bombinhas

E roda o pião no chão.

Joga também bilboquê.

Dá sustos com busca-pés

Numa argúcia repentina

Sem aviso nem porquê

Ateia em todos os pés.

Com gargalhadas cretinas.

No dia de um santo qualquer.

 

 

 

Lá num canto o celular

Caído embaixo da cama

Vídeos, games, nem penar

Aqui a natureza chama

Aqui a vida é real.

 

 

 

Do que mais gosta o Lucas

Que não salgados de milho?

massas, bolos, sushis, cucas

chiclete, bala, sucrilho?

 

Um jantar bem preparado

Com risoto e abobrinha,

só de coxas de galinha.

Também pizza calabresa

E uma boa sobremesa

com chocolate de surpresa.

 

Depois da barriga cheia

E quebra-cabeça montado

Senta o Luquinhas na sala

Com lápis de todas cores

Desde o verde até o carmim

Tinta guache, óleo e nanquim

Tinta acrílica e pincel

Com uma pilha de papel

Esparramados no chão

Numa bela confusão.

 

Com dom, talento e com arte

Cada herói faz a sua parte

Nas asas da imaginação

Do nosso Niquinho em ação.

 

 

 

Rabisca monstros, avatares

Heróis de todos os tipos

Com suas marcas, logotipos

Saltam vivos do papel

e saem voando pelos ares

num diversificado tropel.

 

Sob os louvores da mãe,

de belo nome Graziela

que diz ser melhor que os dela.

Entre a bagunça da sala

A criatividade é quem fala.

 

Até breve.

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