Neste blog são apresentados conteúdos literários. Para qualquer assunto podem contactar o autor via ruiprcar@gmail.com. Aceitam-se contributos de outros autores, de 4 a 24 de cada mês, relativos ao tema Natureza ou Universo :-)
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Albbano chegou cedo ao “Fetal”, com o coração de sangue frio em agonia. Na véspera, vários dos seus torossauros poedeiros davam mostras de mal-estar e doença. Alongou o olhar pelo extenso paúl em que habitualmente pastavam e não pôde evitar o desalento. Só meia dúzia ainda era visível. Em ansiedade, apressou o passo para a chocadeira central. O sol iniciava o percurso descendente sobre a área predominantemente agrícola que será conhecida, sessenta e cinco milhões de anos depois, por Lourinhã e se estende bem para dentro do espaço que será mar no futuro. Em todos os ninhos urbanos terminaram já as diligências alimentares do período zenital, exceto no ninho de Albbano. Não é comum ele atrasar-se, quanto mais não aparecer em tempo de tão vital necessidade. Almmina mantinha quentes as fatias de ovos de anquilossauro com caules tenros de rhynia, enquanto, inquieta, espreitava o caminho, na esperança da chegada iminente do companheiro. A certo momento, achou que tamanho atraso não podia significar nada de bom e resolveu pedir ajuda ao filho de ambos, através do comunicador. Alccino não se surpreendeu com a chamada da mãe, porque era frequente ela ligar-lhe só para contar pequenas peripécias domésticas, mas quando ouviu a voz angustiada da mãe a dizer que o pai ainda não chegara para se alimentar, entregou de imediato as tarefas de extração salina que executava numa bacia marinha interior e correu a procurar o pai. Já não era a primeira vez que ele se perdia ou dava sinais de desorientação. — O teu pai saiu do ninho mal raiava o sol e disse que ia ao Vale Fetal, como todos os dias — informou ela. — Estamos na época em que eclodem muitos ovos e é preciso não haver descuidos com as dificuldades das crias. — Está bem, mãe, não te preocupes que eu vou procurá-lo. Assim que o encontrar, comunico contigo — sossegou-a ele. Alccino transpôs rapidamente a distância até à exploração pecuária do pai. Com o olhar percorreu as suaves ondulações cobertas de polipódios, onde pastavam pachorrentamente uma dúzia de torossauros, e a tentar discernir que animais chafurdavam na lonjura dos paúis das zonas baixas. Não viu a silhueta altiva do pai, um parassaurolofo corpulento, mas um pouco dobrado pela idade. Entrou na chocadeira central, e os funcionários disseram que o tinham visto cedo, mas que ficara abatido quando soubera de mais três eclosões goradas.
Alccino pediu a dois para, em conjunto, fazerem uma busca na exploração. — Eu vou pela encosta do lado esquerdo, e vocês procurem no vale, junto à zona húmida! A propriedade é grande e ele pode estar caído em qualquer lado. Embora achasse que era mais provável encontrá-lo nas zonas baixas, pensou que, em cotas mais elevadas podia avistar maiores distâncias e descobri-lo. Após um tempo de caminhada atenta pela vertente da ladeira, alcançou o alto da colina. Cheiros adocicados embebiam-no. Por momentos, abstraiu-se do que o trouxera ali. Olhou em toda a volta. Para norte, a vista admirável e querida do seu Vale Fetal, com o verde de vários matizes a colorir a distância até à vertente oposta e mais além. Para sul, a dois vales de distância, as manchas redondas e ocres dos ninhos urbanos da povoação. Mais perto, os vales dos vizinhos e amigos Olvvonos e as suas explorações pecuárias de alamossauros, os enormes herbívoros ternos e pachorrentos. Seria possível que o pai tivesse vindo visitar os amigos? Antes de decidir procurálo junto dos vizinhos, pensou entender o que acontecera. O pai tinha ficado desanimado com as notícias da manhã na chocadeira e, com a idade, isso desorientara-o. Veio-lhe à memória outro episódio de há muitos anos, quando uma epidemia lhe matara dezenas de animais. Nessa altura, foram encontrá-lo amodorrado numa enorme rocha lisa virada ao sol do oeste, donde se avistava o mar e aonde só se chegava por uma vereda. Avisou a mãe e pôs-se a caminho. Realmente foi encontrar o pai alapado na Pedra do Poente em grande prostração. A crista, habitualmente alaranjada, era agora cinzento-esverdeada. Não parecia ferido, só abatido. Aproximou-se suave, mas não furtivamente. Queria ajudá-lo, não invadir a sua privacidade. — Então, pai! Está aqui! Estávamos a ficar preocupados... Não obteve reação. Albbano mantinha um olhar de enorme tristeza perdido na lonjura. Nada parecia poder animá-lo. — Não fique assim, pai! — disse Alccino cheio de ternura. — São só mais três ovos gorados. Já aconteceu muitas vezes. O rosto do ancião baixou, em dor interior, sem responder. — Tem de aceitar, pai! Os tempos de fartura e fertilidade já lá vão. Este é o mundo que temos agora. Alccino comunicou com a mãe a sossegá-la e continuou a tentar animar o pai, com argumentos racionais de relativização dos prejuízos. Finalmente, Albbano começou a falar em voz baixa, pausadamente. — Não são só mais três ovos gorados, filho! Nós estamos a extinguir-nos. O ambiente está envenenado com os compostos de irídio que servem para tudo. As crias não conseguem
romper a casca. Está cada vez mais dura e inquebrável. E não é só com os animais. Como já te contei algumas vezes, para tu nasceres, houve que quebrar a casca artificialmente. Nós, os parassaurolofos, praticamente já só nascemos de crustatomia. Se não fossem os cuidados obstétricos, desaparecíamos. O panorama geral é preocupante. As crias não conseguem romper a casca, os ovos não são fertilizados, as populações de todas as espécies estão a diminuir a um ritmo assustador. Todos os anos desaparecem muitas espécies para sempre. Calou-se, por momentos, como que a lembrar-se de outros exemplos. Alccino respeitou o silêncio do idoso. — A destruição da vida no planeta, tal como a conhecemos, está a tomar proporções gigantescas. Dantes, além, avistava-se o tremeluzir da superfície do mar. Agora, o que se vê são reflexos de objetos a flutuar. Mantas de tralha a cobrir enormes áreas de oceano. Há quanto tempo lá não vais? É triste, deprimente, apetece não voltar lá mais. Como nos deixámos chegar a esta situação? Estamos mesmo em perigo, acredita! Fez uma pausa, a ganhar alento. — Eu vou-me informando, sabes! Recebo revistas científicas. Já houve outras épocas da Terra com indícios semelhantes e que resultaram em enormes extinções. A maior foi há 185 milhões de anos, que fez desaparecer 96% das espécies marinhas e 70% das terrestres. Devido à gravíssima situação que atravessamos, os cientistas já lhe chamam a Extinção em massa do Cretácico, a época atual, ou a Quinta Extinção. Estão registadas cerca de 800 espécies extintas, nos últimos quinhentos anos, mas, como a maioria não está documentada, os cientistas calculam que é mais provável que se tenham extinguido entre vinte mil e dois milhões de espécies, só no último século. E, tendo em conta os limites do conhecimento atual, a taxa anual de extinção pode chegar às 140.000 espécies. Estamos no limiar da catástrofe. Alccino agachou-se, abatido pela força terrível dos números que o pai lhe atirava. A preocupação com o desaparecimento do progenitor desvanecera-se, mas agora um peso inesperado acabrunhava-o. Como era possível que nunca tivesse ouvido falar disto? — Percebes, agora, porque estou desanimado, sem esperança? — interpelou-o Albbano. Há muito que me vou dando conta do que os cientistas vão divulgando. — Mas, pai — reagiu Alccino —, não são só teorias malucas de tipos que veem um mosquito e lhes parece um alamossauro? É que eu nunca ouvi falar disso… — Não, Alcci, quem afirma que a extinção atual é um facto são cientistas conceituados entre os seus pares. Dão conferências, mostram dados, mas parece que ninguém os ouve. E dizem mais; dizem que somos nós — a espécie dominante —, que estamos a provocar a extinção em curso. Com a caça intensiva, a introdução de organismos perigosos para os nativos, a destruição dos habitats naturais, a desflorestação, a sobreexploração agrícola, a poluição e o envenenamento com agrotóxicos e hormonas pecuárias. Isto, sem falar do problema que está na raiz de todos estes: o crescimento populacional contínuo da nossa espécie e o consequente sobreconsumo. — Mas sempre houve espécies a desaparecer de maneira, digamos, natural, pela natural seleção natural… — Sim, só que com a nossa ação, a que alguns também chamam natural, mas de extensão e intensidade avassaladoras, a perda de biodiversidade é dez a cem vezes mais rápida. E seremos nós que acabaremos por pagar um preço demasiado alto, pela rápida diminuição do único conjunto de vida que conhecemos no Universo. Ficaremos sozinhos.Sem a concorrência que vencemos, extinguimo-nos também. — Isso não pode ser assim tão dramático, pai. Nós somos a espécie mais bem sucedida de toda a história do planeta... — Este sucesso começa a parecer demasiado catastrófico. Quando há tipos que, como eu, prestam atenção aos problemas ambientais, também não sabem como resolvê-los ou ajudar a minorá-los. A minha “solução” hoje foi esta: deprimir-me. A da nossa espécie devia ser positiva, assertiva, concertada, global, muito profunda. Eu não quero mostrar-te para onde deves olhar, só gostava que tomasses consciência de que há muita coisa a distrair-nos e que nos deixamos alegremente ocupar com problemas menores. A maior razão da minha desesperança é que não acredito que algum dia consigamos inverter o caminho de razia que trilhamos. Quando deteriorarmos o planeta a um nível irreversível, seremos nós a extinguirnos. Ironicamente, essa pode ser a solução para o planeta: livrar-se de nós. Albbano calou-se. Pai e filho mantiveram-se pensativos ainda por algum tempo. Talvez por ter desabafado, Albbano começou a sentir-se com forças para regressar. Em passos brandos, porque já anoitecia, dirigiram-se para casa, em silêncio. Por cima do horizonte, ia nascendo o cometa, que, havia meses, iluminava as noites em todo o mundo. A enorme cauda ocupava já todo o lado nascente do céu. Caminhando para aquele clarão, pareceu-lhes que a esperança num mundo renovado aumentava no seu ânimo.
O ano 2020 foi um ano atípico, por causa da pandemia. Nele acabamos por encontrar todas as fragilidades possíveis dos seres humanos. 2021 continua a ser 2020. O calendário mudou mas tudo continuou, o que em boa verdade, já seria de esperar pois o vírus não tem nada a ver com o nosso calendário. Ficam os fogos de artifício extemporâneo resultado de uma vontade reprimida de normalidade. O Autor deste blog não participou nesta alegria tão desprecavida mas compreende-se esta situação, quem a pode criticar?! Mas temos temos de esperar que o vírus se vá embora ou fincando que não seja uma ameaça.
Ironia foi o filme "O Ano da Morte de Ricardo Reis" ter estreado no ano em que a morte começou a estar presente no nosso dia a dia. Que falta de pontaria! À tragédia das salas de cinema fechadas somou-se o tópico do filme. Veja-se o filme de apresentação, do Inglês trailer, algo que eventualmente poderíamos traduzir de forma mais resumida como cinpub (ou cinematográfica publicidade). Fica a sugestão para uma nova palavra.
Fica ainda uma sugestão de áudio livro para a obra de José Saramago, a qual bebe inspiração em Fernando Pessoa.
Finalmente, para que fique claro que vale a pena confinar, que vale a pena aguardar pelo Verão, fica aqui uma música com um bom ritmo, por Zé Amaro. Pode ser que a variante Europeia do Covid-19 vá de férias no Verão e nos deixe em paz, afinal está claro que prefere as temperaturas mais baixas, ao contrário da variante Amazónica.
O Zé Amaro é um Artista que buscou a sua inspiração na música Brasileira, por sua vez inspirada noutras fontes.
Esta partilha não é a última do ano, mas a que se impõe dadas as circunstâncias. Quais? As do Natal e as da matança de animais num terreno em Portugal. Não há muitas palavras, apenas uma pergunta: como foi possível?! Fica uma notícia que felizmente revela que em Portugal tanto o poder político como as pessoas em geral estão muito sensibilizadas para a questão da preservação do ambiente:
Como um momento perdura para sempre? Como pode uma história nunca terminar? É junto do amor que nos devemos sempre manter Nunca é fácil mas nós tentamos Por vezes a nossa felicidade é detida De alguma forma um tempo e um lugar fica na memória O amor vive nos nossos corações E sempre viverá Os minutos tornam-se horas Dias em anos e então se findam Mas quando tudo o resto tenha sido esquecido Ainda assim a nossa canção sobrevive Talvez alguns momentos não tenham sido assim tão perfeitos Talvez algumas memórias não sejam assim tão agradáveis Mas nós temos de viver alguns maus momentos Ou as nossas vidas são incompletas Então quando as penumbras tomam conta de nós E nós sentimos que a nossa esperança desapareceu Ouviremos a nossa canção e saberemos uma vez mais Que o nosso amor perdura
Aaaa aaa A
Como um momento perdura para sempre? Como perdura a nossa felicidade? Através da escuridão dos nossos problemas O amor é beleza, o amor é puro O amor não quer saber de desolação Protege, continua e persevera E faz-nos um todo Os minutos transformam-se em horas Em anos e depois desaparecem Mas quando tudo tiver sido esquecido Ainda assim a nossa canção sobrevive
Como é que um momento sobrevive para sempre? Quando a nossa canção Sobrevive
Original em Inglês:
How does a moment last forever? How can a story never die? It is love we must hold on to Never easy but we try Sometimes our happiness is captured Somehow a time and place stand still Love lives on inside our hearts And always will Minutes turn to hours Days to years then gone Bur when all else has been forgotten Still our song lives on Maybe some moments weren’t so perfect Maybe some memories not so sweet But we have to know some bad times Or our lives are incomplete Then when the shadows overtake us Just when we feel our hope is gone We’ll hear our song and know once more Our love lives one
Aaaa aaa A
How does a moment last forever? How does our happiness endure? Through the darkest of our troubles Love is beauty, love is pure Love pays no mind to desolation It flows like a river through the soul Protects, proceeds and perseveres And makes us whole Minutes turn to hours Days to years then gone But when all else has been forgotten Still our song lives on
How does a moment last forever? When our song Lives on
Fica também este poema:
Poesia da Antologia 2018-2019
“Iluminar o infinito” António Ramalho de Portugal
Iluminar o infinito
A liberdade
que existe na dúvida,
respira no conforto
que podemos conhecer,
que não parece julgar
os erros,
que havia na natureza,
como ficção,
onde permanece
a verdadeira realidade,
que atende a matéria,
na virtude que forma a razão,
ao acertar
na paixão do contrário,
ao que permite chegar
a alma que dirige
a forma como sentido,
na imaginação que entende
o que pode mostrar
a verdade,
na conexão de ter
o que chama a razão
que pode explicar
algumas palavras
na sua perfeição,
a desfrutar
do momento para dizer
o que pode acontecer
no anseio da natureza
que compreende
o contraponto do saber,
no próprio corpo que é,
a necessidade
que o homem é,
na objetividade de ser
o crescimento que se torna
a realidade no seu significado,
a considerar a natureza,
de ser a existência,
que se afirma no papel,
de ser a criação que chama
o que descreve o espírito,
na linguagem da essência,
a conseguir ser
o invisível que diz o coração,
na forma de sentir o tempo,
como reconciliação da busca,
na imaginação como guia.
Este ano os CTT - Correios de Portugal fazem 500 Anos.
Não se esqueçam de enviar um e-mail, sms ou um postal, sobretudo a quem vos contactou durante o ano de 2020 ou não. Pensem nisso.
Hoje apresentamos um conto por Luísa F. (Portugal) o qual foi premiado na Antologia Natureza 2018-2019. Nestes tempos de pandemia, recomenda-se cuidado na proximidade social em qualquer circunstância, de tal forma que as nossas vidas não sejam ainda mais afetadas. Neste momento, já temos a esperança de uma vacinação algures nos próximos meses.
Recomenda-se a leitura do conto “Ilha de Santa Luzia”.
Ilha de Santa Luzia
Quando me sentei, senti-os moverem-se debaixo das minhas pernas, sem os ver, verdadeiramente, como se fossem transparentes; chamavam-lhes caranguejos fantasmas por terem a cor da areia fina e se confundirem com o ambiente. Tive a clara impressão de estar em família e a sensação estranha de já ter estado naquela ilha, a única com nome de santa no arquipélago das ilhas Afortunadas. Por respeito a esses fantasmas tão familiares, por medo do ridículo, mas também por ignorância, não me atrevi a falar no assunto ao meu pai, Branco (apesar de ser um ilhéu muito tisnado) e um dos biólogos daquela pequena expedição. Pedro era o seu assistente e tinha como missão principal a proteção da cagarra de Cabo Verde, uma ave que nidifica no ilhéu vizinho e que o seu próprio pai tinha caçado durante trinta e cinco anos, assim como muitos outros pescadores, por se tratar de uma atividade tradicional. Milhares de crias foram dizimadas nessa época, e não apenas as cagarras mas também os rabos-de-junco, com as suas longas caudas, os alcatrazes, parecendo cavalheiros de nariz comprido, as almas-negras de plumagem escura...que eram depois vendidos como cagarras. Pedro achava que tinha uma dívida pessoal perante a natureza, contraída pelo seu pai; mas, no seu entender, cabia-lhe a si e aos outros jovens devolver à ilha essas espécies quase extintas. A minha história começara muitos anos antes de eu nascer, mas os episódios mais marcantes que recordava da infância eram os pesadelos frequentes com enormes gatos e ratos vindos sabe-se lá de onde, que engoliam crias de aves cujos ninhos estavam encravados na terra como pequenas manjedouras ou berços de palha. O pediatra da altura descartou a hipótese de apneia do sono mas tentou inteirar-se da nossa história familiar. Não foi difícil para o meu pai, solteiro e dedicado, perceber que a explicação se encontrava naquele espantoso lugar, que visitaríamos um dia. Explicou-me o que eram animais exóticos: — Não são, como pensamos, aqueles animais estranhos e com um aspeto diferente, fora da rotina e muito extravagantes, sabes? Quer dizer, não são só esses; exóticos e invasores, para nós, são animais que vêm de outros sítios, de outras terras e climas, estranhos à forma de vida da terra onde nos encontramos. Exótico, como emigrante ou imigrante, como estrangeiro, está relacionado com o nosso ponto de vista. O meu pai não sabia exatamente o que era ser criança, porque ele próprio tinha sido criado assim pelos meus avós, Luzia e Vicente. Quando as explicações se alongavam, eu adormecia ao som das suas palavras, do alto dos meus seis anos, sabendo que nessa noite não voltaria a ter pesadelos mas talvez sonhasse com belas aves, com peixes-agulha e peixes-voadores muito curiosos e ágeis, com águas cristalinas através das quais se viam os nossos próprios pés e o fundo do mar. Luzia era uma mulher falsamente seca e voluptuosa, que tinha abandonado a ilha na década de 1970 com Vicente, quando ambos andavam pelos trinta. Não se sabe em que circunstâncias se terão lá fixado, pois fizeram segredo disso até à hora da partida, que ocorreu de forma misteriosa, depois de terem criados os dois filhos, Branco e Raso, cujos nomes homenageavam os ilhéus vizinhos (os outros dois integrantes da reserva natural), formando o que se tornaria, em 1990, património público, em conjunto com a ilha de Santa Luzia, deserta, mas não solitária, ou, por assim dizer — deserta por deixar de sê-lo. Nessa época já os dois irmãos tinham atingido a maioridade. Acontece que a minha avó não engravidava porque a ilha estava interdita à presença humana, salvo raras exceções, como eles, alguém que se batesse pelas espécies nativas; mas ainda assim a santa exigiu que em troca da promessa de fertilidade o casal batizasse os filhos com os nomes dos ilhéus circundantes, que seriam para sempre os seus orientadores de carácter e mentores, quando os pais já não pudessem cumprir essa função por darem por terminada a sua vida terrena (depois de se terem banhado em águas claras e convivido com as mais magníficas espécies de aves da região, e aprendido a dar os bons dias aos caranguejos-fantasmas). Os filhos vieram, assim, após inúmeras preces, depois de Vicente ter subido à Topona, o ponto mais alto da ilha (quase quatrocentos metros acima do nível do mar) e aí ter rogado a Santa Luzia que os abençoasse com descendência. Vicente parecia por vezes um pouco distante, porque reservado, mas podia mostrar-se também muito próximo, afetuoso e atento aos detalhes. Luzia juntara-se ao marido nessas preces, apesar de estar cada vez mais convencida de que era estéril; mas quando abandonaram a ilha tinham a certeza de que seriam pais em breve. Santa Luzia era quem lhes poderia valer, por ser mulher, por ser santa e por ser, também ela, desabitada de seres humanos. Branco, o meu pai, ao contrário do meu tio, sempre tinha sido um cético e escusava-se a falar de coisas que não pudesse explicar pela ciência, mesmo que fizessem parte da sua história. A verdade é que oito meses depois dava-se ao mundo, já com um tufo de cabelo como uma crista rochosa, e nove meses mais tarde nascia o tio Raso, à distância de um olhar. Os dois irmãos sempre se distinguiram em tudo, no feitio, no aspeto, nos interesses. Raso protegia dezenas de aves marinhas que sobrevoavam as arribas aproveitando a riqueza das águas que circundavam o seu patrono, de relevo quase predominantemente plano, e seis espécies diferentes que aí construíam os seus ninhos. Era cada uma mais bonita que a outra. O meu tio era um homem pequeno e castanho, mas bastavam três dias de chuva para lhe converter o ar apagado numa exuberante alegria. Já o meu pai tinha como mascote o lagarto-gigante, o qual, felizmente, nunca se fez presente nos meus sonhos; constava que tinha sido extinto no início do século XX, no entanto ele mantinha a convicção de que alguns espécimenes pudessem ter sobrevivido nos rochedos escarpados do ilhéu Branco, seu homónimo e padrinho. Pedro e eu fomos dar uma volta pelos ilhéus antes de darmos por findo o dia em Santa Luzia; contei-lhe dos meus pesadelos com gatos e ratos e ele confidencioume que começavam a ser um problema na ilha. Eram espécies exóticas — e não pude deixar de sorrir ao lembrar-me das explicações detalhadas do meu pai. Falei-lhe nos meus avós e com surpresa constatei que era um assunto do qual não tinha o menor conhecimento. O meu pai não falava da família, era austero e reservado, com um temperamento acidentado e espinhoso, a léguas do seu irmão, plácido e previsível. Pedro apenas conhecia a lenda — a história que se contava entre os pescadores — segundo a qual nos anos 1970 o casal que ali vivia tinha abandonado a ilha de Santa Luzia. Dizia-se, em conversas de homens do mar, que eles talvez não tivessem dali saído e que ainda hoje andariam disfarçados de caranguejos confundindo-se com o vasto areal para permanecerem em paz. Fiquei arrepiada com aquela interpretação que assumi como uma revelação, uma vez que eu própria já o tinha intuído. Mais um assunto que o meu pai não entenderia. Estávamos em 2014, quando eu acabara de cumprir vinte anos e terminava uma licenciatura em Biologia Marinha. Pedro mostrou-me as pequenas calhandras do Raso e os seus ninhos no solo e eu tive que confessara-lhe que o meu pai sempre me pedira que desse continuidade ao seu trabalho na proteção dessa e de outras espécies exclusivas da região, que chamávamos endémicas. Tal como as tartarugas-marinhas, também essas espécies estão em vias de extinção, principalmente por causa da predação humana. Santa Luzia era um local onde se fazia caça indiscriminada, longe dos olhares indiscretos, mas agora também os pescadores estão sensíveis aos problemas ambientais e ajudam a protegê-las. Entretanto os turistas não são ainda bem-vindos, assim como no tempo em que Luzia e Vicente ali conceberam o seu primeiro filho. Voltámos finalmente a Santa Luzia e junto com o resto da equipa rumámos a São Vicente, mesmo em frente. Pedro e eu fomos ficando cada vez mais próximos e decidimos acampar em Santa Luzia, completamente isolados, enquanto tentávamos perceber como varia a fauna da região e procurávamos conhecer-nos melhor. O meu pai acatava tudo o que fosse para o bem da região e das espécies endémicas, porém reagiu com alguma desconfiança.
Prometemos trazer-lhe resultados em breve, para o convencer. O biólogo concordava mas o pai resistia. A nossa rotina incluía a vigilância de ninhos de cagarras para verificar o crescimento das crias. Pedro e eu pesámos criteriosamente todas essas pequenas aves e sei que, nessa agradável rotina, ele sentia que resgatava a dignidade do pai. A ilha já não era deserta, mas tampouco era habitada: nós fomos privilegiados por, durante alguns dias, poder acompanhar o pulsar da vida naquelas paragens. Agora fazemos idas e vindas regulares com os pescadores, sem o pai de Pedro, que já cristalizou no fundo do mar. Tentamos reintroduzir a raríssima calhandra em Santa Luzia, essa ilha que nos habita e que apadrinha a nossa descendência.
É incrível como tudo na natureza e no nosso universo está conectado de alguma forma. Um exemplo dessa doce conexão são os rios e as estrelas. Os rios são muito abundantes na região Norte do Brasil que é onde moro. Morar em lugar que tem rio é muito bom, pois durante o dia eles podem servir de meio de transporte, principalmente nas regiões um pouco mais afastadas das cidades e podem proporcionar diversão, pois sempre é possível dá um mergulho e nadar neles. Um banho gelado que acalma um pouco o calor. Já durante a noite os rios se transformam em um lindo espelho da Lua e das estrelas. Tanto que tem até uma lenda indígena que fala de uma índia que mergulhou atrás do reflexo da Lua por acreditar se tratar da própria Lua que ela tanto admirava. E em um local com muitas árvores é quase como se as estrelas ficassem mais brilhantes, mais felizes por não terem que competir com as luzes artificiais da cidade. É como se por alguns momentos o próprio rio adquirisse um pouco do brilho delas. Na natureza admiramos as muitas belezas da criação de Deus. O ser humano quer chegar cada vez mais perto das estrelas, sem entender que elas já estão perto dele. Basta ele se conectar com a natureza para as admirar em toda sua beleza. Os olhos humanos assim como os rios são espelhos das lindas estrelas.
Hoje um poema de Lúcio, contido na Antologia Natureza 2018-2019, recorda o calor da natureza, a sua força e vida renovada. Existe uma beleza de paz, quando se observa o sol a passar por uma folha verde.
Por estes dias os inúmeros fogos na Amazónia têm sido notícia e suscitaram inúmeras questões relacionadas com o ambiente, a gestão e também relacionadas com as pessoas que nela vivem e querem continuar a viver. Estamos perante um desafio que ultrapassa uma dimensão puramente biológica e ligada a conservação de um determinado ecossistema. Em certa medida, faz lembrar a proteção que em Portugal é dedicada aos sobreiros uma espécie protegida porque, é proibido cortar a árvore, em princípio, e isto pode ser visto como uma ingerência no direito de propriedade e gestão que um proprietário terá sobre um seu terreno. O interessante não é tanto esta vertente da realidade, pois percebe-se a proibição pela importância da árvore, mas sim a possibilidade que o proprietário tem de retirar rendimento desta árvore, através da cortiça. Olhando para a Amazónia podemos ver este desafio com os mesmos olhos e chegar à mesma conclusão: mesmo quem tem interesse económico na desflorestação/desmatação da Floresta Amazónica quando perceber que também pode subsistir, retirar sustento de uma Floresta totalmente conservada e viver com um nível de vida igual ou superior, vai querer essa mesma conservação. No que diz respeito à conservação da Floresta Amazónica, se o problema da sua destruição pode ser global, ainda que os potenciais principais prejudicados sejam os países em que ela existe, ou poderá deixar de existir, parece fazer sentido um apoio global para a sua conservação.
Apresentamos o poema vencedor da Antologia “Natureza 2018-2019”:
É com enorme prazer que informamos estar “concluída” a produção da Antologia Natureza 2018-2019.
A conclusão deste trabalho poderia nunca ser dada como real, dada a tamanha beleza dos trabalhos recebidos e selecionados e a inspiração por ela suscitada.
Este ano, a Antologia divide-se em Caderno 1 e Caderno 2, em quase 300 páginas de sucesso crescente.
Fica um abraço suave e incondicional, como o de uma árvore, tal qual a árvore e o amor na música seguinte:
“Ombra Mai Fu” (“Sombra nunca foi” ou “A árvore nunca foi sombra”) por Franco Fagioli.
E como estamos em Agosto, tempo de regresso a Portugal de imensos Emigrantes Portugueses, fica uma música de homenagem, com um vídeo realizado durante uma dessas viagens de regresso, por exemplo, a partir de França.
Neste preciso momento, praticamente em simultâneo, verificamos seca em Angola (estará o deserto do Namibe a crescer?), fogos em Portugal (teremos nós percebido os reais impactos da alteração climática, ou será apenas o mal dos eucaliptos?), uma vaga de calor na restante Europa (iremos no futuro, nós em Portugal, de férias para o Reino Unido para ter dias de calor e um verão azul suficientemente longo?) e o calor em Nova York (será normal?). Esta é apenas uma observação, sem respostas, apenas perguntas e percebemos que muitas vezes a pergunta é ainda mais importante que uma resposta.
Este é mais um texto neste blog, para nos fazer pensar, nada mais. Estamos já de seguida a ler poesia, talvez a suavidade das palavras nos inspire.
Peixinhos, por KARINA ALDRIGHIS
Peixinho dourado,
Peixinho listrado,
Borbulha no aquário
Blu, blu, blu, blu…
Batendo no vidro,
De um lado ao outro,
Ele fica nervoso!
Blu, blu, blu, blu…
Nadadeiras em riste,
Cauda empinada,
Nado sincronizado.
Blu, blu, blu, blu…
Algas no aquário,
O baú do pirata
A ostra gigante.
Blu, blu, blu, blu…
Ele abre e fecha
Sua boca engraçada,
E borbulha hilário!
Blu, blu, blu, blu…
Com pedrinhas ao fundo
Multicoloridas
Ele sobe e desce.
Blu, blu, blu, blu…
Não cansa de viver
Em um mundo quadrado
De vidro transparente?
Blu, blu, blu, blu…
Até agora que eu saiba
Nenhum morreu afogado,
Que fato inusitado!
Blu, blu, blu, blu…
NOTA: Do livro “Ninho de Borbuletas” (2018), com tradução para Inglês por Leandro Monteiro
Amizade de Verdade, por Marcelo de Oliveira
Amizade de Verdade
Tempestade,
Luta, letargia
Aborrecimento todo dia
Quem diria...
Que a amizade sobrepõe a tudo
Tudinho...
Fortalece, quando de verdade
Nem sempre a gente sabe tudo
Nunca a gente sabe nada
Mas o que sempre sabemos
É que a amizade de verdade
Fica para sempre.
Nota: Instagram de Marcelo de Oliveira: marceloescritor
Dois discursos por Greta Thunberg (Suécia - em Inglês com legendas)
UN COP24 - Discurso de Greta Thunberg (com legendas)
Ainda, embora sem legendas (dublagem), fica este vídeo para podermos perceber a dimensão das manifestações inspiradas por Greta Thunberg. Sem dúvida, um movimento único e oportuno.