Neste blog são apresentados conteúdos literários. Para qualquer assunto podem contactar o autor via ruiprcar@gmail.com. Aceitam-se contributos de outros autores, de 4 a 24 de cada mês, relativos ao tema Natureza ou Universo :-)
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Hoje, pese embora o impacto mediático dos fogos florestais na Grécia, e o pequeno grande susto em Cascais, ficam ainda os terceiros lugares do nosso Concurso Literário. Que sejam responsáveis por momentos descontraídos e de paz.
3ºs Lugares, em empate.
Miragem /Fata Morgana, por Alberto Arecchi (Itália)
MIRAGEM (versão Portuguesa de Fata Morgana, em Italiano)
Venho do mundo da Fada Morgana,
onde a água do Aspromonte
desce ao mar em cem rios
desde os bosques de abeto e faia.
Meu mar é como um grande rio,
uma corrente que sobe e desce
quatro vezes no dia
acima do redemoinho
profundo de Charybdis,
onde antigas sereias cantam.
No horizonte do mar
torres aparecem
e cidades fantasmas.
Longe ao sol do meio-dia
a alta pluma do vulcão Mongibello
e os fogos que à noite
flamejam de seu topo,
para lembrar que a natureza
nunca foi domesticada.
A terra treme, o vulcão ruge.
O espírito da primavera
paira entre os ramos dos pessegueiros
e mil fadas brilhantes
esvoaçam em torno das flores.
Têm asas multicoloridas,
brilham como as estrelas
em uma noite mágica
em meio ao chilrear dos grilos.
Encantamento de uma noite sem idade,
noite de lua nova,
sem a luz da lua,
iluminada pelas estrelas
e pelos espíritos da natureza.
No vento e no sol,
flores de limão em árvores,
agaves floridos e figueiras-da-Índia,
as rosas do jardim de minha mãe,
os cardumes de sauro,
os outros peixes do Estreito,
os pássaros, as rãs nos riachos,
como há tantos anos…
as raposas, os javalis, os lobos
do Aspromonte.
FATA MORGANA (versão original Italiana do poema Miragem)
Vengo dal mondo della Fata Morgana,
dove l’acqua dell’Aspromonte
scende al mare in cento fiumare
dalle abetaie e dalle faggete.
Il mio mare è come un grande fiume,
una corrente che sale e che scende
per quattro volte al giorno
sopra il gorgo profondo di Cariddi,
ove cantano antiche sirene.
Sull’orizzonte del mare
compaiono torri
e città di fantasmi.
Lontano, nel sole del mezzogiorno,
l’alto pennacchio del Mongibello
e i fuochi che di notte
lampeggiano dalla sua cima,
a ricordare che la natura
non è mai stata domata.
La terra trema, il vulcano brontola.
Lo spirito della primavera
aleggia tra i rami dei peschi
e mille fatine brillanti
svolazzano intorno ai fiori.
Hanno ali multicolori,
risplendono come le stelle
in una notte d’incanto
tra il frinire dei grilli.
Incanto d’una notte senza età,
notte di luna nuova,
priva della luce della luna,
rischiarata dalle stelle
e dagli spiriti della natura.
Nel vento e nel sole,
fiori di limone sugli alberi,
agavi in fiore e fichi d’India,
le rose del giardino di mia madre,
i banchi di costardelle,
gli altri pesci dello Stretto,
gli uccelli, le rane nei ruscelli,
come tanti anni fa…
le volpi, i cinghiali, i lupi
dell’Aspromonte.
Sobre este poema: um belo e místico olhar sobre o ser mais íntimo e selvagem da nossa mãe natureza.
Progresso, por Suzane Oliveira (Brasil)
Peixes no lago,
Que vastidão!
Céu, floresta, água,
Animais em comunhão.
Peixes no lago,
Que multidão!
Serras, redes, fábricas,
Homens em ação.
Peixes no lago,
Que poluição!
Ar, terra, água,
Animais em extinção.
Peixes no lago,
Que aberração!
Dejetos tóxicos,
Água em podridão...
Peixes no lago?
Que destruição!
Morte por todo lado,
Homens sem coração...
Sobre este poema: um questionar acutilante sobre a ação humana e as suas consequências. Podemos, tal qual a autora, questionar: dejetos tóxicos ou reutilização? drones para matar ou drones para matar? peixes no lago ou na nossa imaginação poluída?
Mar, por Luciane Almeida (Brasil)
Mergulhei no mar dos teus olhos
Envoltos em mistérios,
Atrevi-me a desvendar
Será que nas ondas da tua alma
Um dia eu poderei navegar?
Nesse mar de emoções
Às vezes calmaria, em outras ventanias
Será que eu poderia
Em teu porto ancorar?
Tão certo como o sol nasce
E se põe a beira-mar
Eu poderei partir,
Mas voltarei para te encontrar
Sobre este poema: aproveita a porta de entrada que são os nossos olhos, para se perder em sentimentos que mais parecem parte de uma autobiografia, feita nos mares da alma de outro ser humano.
Recentemente, a erupção de um vulcão em Las Palmas, Ilhas Canárias, tornou evidente que existe poluição de origem natural e com impacto na saúde humana. Um artigo científico, sobre a atividade vulcânica nos Açores e seu impacto na saúde humana é o seguinte: "Sleeping volcanoes, awaking health issues: the hazardous effects of hydrothermal emissions on the human respiratory system" por Patrícia Garcia et al.. Infelizmente, este trabalho encontra-se apenas disponível em Inglês. Neste texto refere-se o impacto da poluição atmosférica através das vias respiratórias. Para evitar os efeitos nefastos, sugere-se, por exemplo, que quem vive em habitações térreas durma nos pisos superiores. No conto seguinte, incluído na Antologia Natureza 2020-2021, refere-se um outro fogo, causado por ação humana. Também ele igualmente perigoso... Entretanto, fica a nota que ainda não foi possível iniciar a publicação de um conto em parcelas, periodicamente, tal como já referido anteriormente.
“Projecto Urano” por Alberto A.
Nos anos 1980-2000, a região do Corno da África foi “terra de ninguém”, afundando sempre mais em uma sangrenta guerra civil. O tráfico ilegal fundara por aí o paraíso internacional das descargas de lixo. Barcos, carregados com lixo tóxico e radioactivo, viajavam da Europa em direcção ao Oceano Índico. Recifes, caranguejos, lagostas, conchas do mar, palmeirais e manguezais, o perfume de incenso e mirra, as memórias épicas de comerciantes e viajantes... Todo aquele mundo ficou poluído, submerso sob montes de lixo tóxico e radioactivo. Os marinheiros pagavam as consequências, quando tomavam banho no mar. Para resolver os problemas da poluição radioactiva na Europa, um engenheiro realizou o “Projecto Urano”: torpedos, carregados com escórias radioactivas, eram jogados no fundo do Oceano, ao longo das praias da Somália. No mês de Dezembro de 2004, um terremoto sacudiu a ilha de Sumatra. Vagas gigantes, com até trinta metros de altura, atravessaram todo o Oceano Índico. Houve quase trezentos mil mortos, mas as perdas ao longo da costa africana não foram graves, pelo menos não em termos de vidas humanas. A maré do maremoto arrasou e deslocou milhares de metros cúbicos de areia, destruindo grandes extensões de recifes de coral, trazendo à luz tambores, torpedos e recipientes de resíduos perigosos. Muitos daqueles recipientes começaram a flutuar, abrindo-se e derramando seu conteúdo nas praias. Luminescências raras podiam ser vistas à noite, nos recifes, e a morte de caranguejos e lagostas se espalhava como uma epidemia ao longo da costa. Tapetes de peixe morto ficavam colados nas praias ao pé das palmeiras. Centenas de animais no fundo do mar morreram de contaminação. As populações costeiras relataram distúrbios raros: anemia, inchaço, problemas respiratórios, insuficiência hepática. Um pescador encontrou um pedaço de metal brilhante, preso no recife. Ele tocou o cilindro e recebeu uma cruel sensação de queimação. O braço enfraqueceu e a pele caiu, queimada, como se tivesse tocado uma substância ácida. Então o cabelo começou a cair. Ele morreu lenta e dolorosamente. Um fogo interior o devorou, nenhum médico, nenhuma cura poderia salvá-lo. O que ele encontrara era lixo radioactivo, uma pequena parte da imensa quantidade de lixo que os navios despejaram na costa da região. Mohamud era um menino de seis anos, brincava com seus amigos na praia. À medida que a maré baixava, eles perseguiam os caranguejos. Com a 27 maldade ingênua das crianças, os chutavam, como se estivessem jogando bolas. Um dia, Mohamud viu uma caixa escorrendo um líquido verde denso e vagamente fluorescente. O garoto tocou e esfregou as mãos, como fazia com sabão. Foi o maior erro de toda a sua jovem vida. Desde então, o menino foi consumido por uma dor terrível. Não comia, não dormia e se contorcia, não conseguia mais se segurar nas pernas. Todo o cabelo dele caiu. Ficou rapidamente debilitado. Para o nosso amiguinho, infelizmente, nada podia ser feito. Mohamud ainda não tinha sete anos. Quem sabe que o sacrifício dele – e de outros como ele – não constitua o preço por que aquela terra, com seu mar, retorne à paz e à beleza do passado? Queria lembrá-lo como um pequeno símbolo, uma gota no oceano de sofrimento que continua assombrando o Corno da África. Um sacrifício que pode nos convencer a salvar os povos, os mares, as praias dos países equatoriais, paraísos condenados, em um mundo sem paz nem desenvolvimento.