Neste blog são apresentados conteúdos literários. Para qualquer assunto podem contactar o autor via ruiprcar@gmail.com. Aceitam-se contributos de outros autores, de 4 a 24 de cada mês, relativos ao tema Natureza ou Universo :-)
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“Flores Urbanas” (Fevereiro 2021), por Marcelo O. S., IWA, Brasil
Numa terra ocupada O ser humano é o maior culpado A flor não respira... Ela piora com a poluição, Folhas sujas de fumaça Um cinza que sufoca. As flores urbanas sofrem. As pessoas sofrem... A natureza reluta... O povo luta. Mais prédios aparecem, No amanhecer ninguém conhece. Ninguém merece... A floresta empedrou A pedra dominou, As flores raras se escondem As flores de plástico aparecem E no mundo artificial A ruína é total Pobre desse animal Num desenvolvimento total Vai sucumbindo, definhando Até voltar para a natureza.
Albbano chegou cedo ao “Fetal”, com o coração de sangue frio em agonia. Na véspera, vários dos seus torossauros poedeiros davam mostras de mal-estar e doença. Alongou o olhar pelo extenso paúl em que habitualmente pastavam e não pôde evitar o desalento. Só meia dúzia ainda era visível. Em ansiedade, apressou o passo para a chocadeira central. O sol iniciava o percurso descendente sobre a área predominantemente agrícola que será conhecida, sessenta e cinco milhões de anos depois, por Lourinhã e se estende bem para dentro do espaço que será mar no futuro. Em todos os ninhos urbanos terminaram já as diligências alimentares do período zenital, exceto no ninho de Albbano. Não é comum ele atrasar-se, quanto mais não aparecer em tempo de tão vital necessidade. Almmina mantinha quentes as fatias de ovos de anquilossauro com caules tenros de rhynia, enquanto, inquieta, espreitava o caminho, na esperança da chegada iminente do companheiro. A certo momento, achou que tamanho atraso não podia significar nada de bom e resolveu pedir ajuda ao filho de ambos, através do comunicador. Alccino não se surpreendeu com a chamada da mãe, porque era frequente ela ligar-lhe só para contar pequenas peripécias domésticas, mas quando ouviu a voz angustiada da mãe a dizer que o pai ainda não chegara para se alimentar, entregou de imediato as tarefas de extração salina que executava numa bacia marinha interior e correu a procurar o pai. Já não era a primeira vez que ele se perdia ou dava sinais de desorientação. — O teu pai saiu do ninho mal raiava o sol e disse que ia ao Vale Fetal, como todos os dias — informou ela. — Estamos na época em que eclodem muitos ovos e é preciso não haver descuidos com as dificuldades das crias. — Está bem, mãe, não te preocupes que eu vou procurá-lo. Assim que o encontrar, comunico contigo — sossegou-a ele. Alccino transpôs rapidamente a distância até à exploração pecuária do pai. Com o olhar percorreu as suaves ondulações cobertas de polipódios, onde pastavam pachorrentamente uma dúzia de torossauros, e a tentar discernir que animais chafurdavam na lonjura dos paúis das zonas baixas. Não viu a silhueta altiva do pai, um parassaurolofo corpulento, mas um pouco dobrado pela idade. Entrou na chocadeira central, e os funcionários disseram que o tinham visto cedo, mas que ficara abatido quando soubera de mais três eclosões goradas.
Alccino pediu a dois para, em conjunto, fazerem uma busca na exploração. — Eu vou pela encosta do lado esquerdo, e vocês procurem no vale, junto à zona húmida! A propriedade é grande e ele pode estar caído em qualquer lado. Embora achasse que era mais provável encontrá-lo nas zonas baixas, pensou que, em cotas mais elevadas podia avistar maiores distâncias e descobri-lo. Após um tempo de caminhada atenta pela vertente da ladeira, alcançou o alto da colina. Cheiros adocicados embebiam-no. Por momentos, abstraiu-se do que o trouxera ali. Olhou em toda a volta. Para norte, a vista admirável e querida do seu Vale Fetal, com o verde de vários matizes a colorir a distância até à vertente oposta e mais além. Para sul, a dois vales de distância, as manchas redondas e ocres dos ninhos urbanos da povoação. Mais perto, os vales dos vizinhos e amigos Olvvonos e as suas explorações pecuárias de alamossauros, os enormes herbívoros ternos e pachorrentos. Seria possível que o pai tivesse vindo visitar os amigos? Antes de decidir procurálo junto dos vizinhos, pensou entender o que acontecera. O pai tinha ficado desanimado com as notícias da manhã na chocadeira e, com a idade, isso desorientara-o. Veio-lhe à memória outro episódio de há muitos anos, quando uma epidemia lhe matara dezenas de animais. Nessa altura, foram encontrá-lo amodorrado numa enorme rocha lisa virada ao sol do oeste, donde se avistava o mar e aonde só se chegava por uma vereda. Avisou a mãe e pôs-se a caminho. Realmente foi encontrar o pai alapado na Pedra do Poente em grande prostração. A crista, habitualmente alaranjada, era agora cinzento-esverdeada. Não parecia ferido, só abatido. Aproximou-se suave, mas não furtivamente. Queria ajudá-lo, não invadir a sua privacidade. — Então, pai! Está aqui! Estávamos a ficar preocupados... Não obteve reação. Albbano mantinha um olhar de enorme tristeza perdido na lonjura. Nada parecia poder animá-lo. — Não fique assim, pai! — disse Alccino cheio de ternura. — São só mais três ovos gorados. Já aconteceu muitas vezes. O rosto do ancião baixou, em dor interior, sem responder. — Tem de aceitar, pai! Os tempos de fartura e fertilidade já lá vão. Este é o mundo que temos agora. Alccino comunicou com a mãe a sossegá-la e continuou a tentar animar o pai, com argumentos racionais de relativização dos prejuízos. Finalmente, Albbano começou a falar em voz baixa, pausadamente. — Não são só mais três ovos gorados, filho! Nós estamos a extinguir-nos. O ambiente está envenenado com os compostos de irídio que servem para tudo. As crias não conseguem
romper a casca. Está cada vez mais dura e inquebrável. E não é só com os animais. Como já te contei algumas vezes, para tu nasceres, houve que quebrar a casca artificialmente. Nós, os parassaurolofos, praticamente já só nascemos de crustatomia. Se não fossem os cuidados obstétricos, desaparecíamos. O panorama geral é preocupante. As crias não conseguem romper a casca, os ovos não são fertilizados, as populações de todas as espécies estão a diminuir a um ritmo assustador. Todos os anos desaparecem muitas espécies para sempre. Calou-se, por momentos, como que a lembrar-se de outros exemplos. Alccino respeitou o silêncio do idoso. — A destruição da vida no planeta, tal como a conhecemos, está a tomar proporções gigantescas. Dantes, além, avistava-se o tremeluzir da superfície do mar. Agora, o que se vê são reflexos de objetos a flutuar. Mantas de tralha a cobrir enormes áreas de oceano. Há quanto tempo lá não vais? É triste, deprimente, apetece não voltar lá mais. Como nos deixámos chegar a esta situação? Estamos mesmo em perigo, acredita! Fez uma pausa, a ganhar alento. — Eu vou-me informando, sabes! Recebo revistas científicas. Já houve outras épocas da Terra com indícios semelhantes e que resultaram em enormes extinções. A maior foi há 185 milhões de anos, que fez desaparecer 96% das espécies marinhas e 70% das terrestres. Devido à gravíssima situação que atravessamos, os cientistas já lhe chamam a Extinção em massa do Cretácico, a época atual, ou a Quinta Extinção. Estão registadas cerca de 800 espécies extintas, nos últimos quinhentos anos, mas, como a maioria não está documentada, os cientistas calculam que é mais provável que se tenham extinguido entre vinte mil e dois milhões de espécies, só no último século. E, tendo em conta os limites do conhecimento atual, a taxa anual de extinção pode chegar às 140.000 espécies. Estamos no limiar da catástrofe. Alccino agachou-se, abatido pela força terrível dos números que o pai lhe atirava. A preocupação com o desaparecimento do progenitor desvanecera-se, mas agora um peso inesperado acabrunhava-o. Como era possível que nunca tivesse ouvido falar disto? — Percebes, agora, porque estou desanimado, sem esperança? — interpelou-o Albbano. Há muito que me vou dando conta do que os cientistas vão divulgando. — Mas, pai — reagiu Alccino —, não são só teorias malucas de tipos que veem um mosquito e lhes parece um alamossauro? É que eu nunca ouvi falar disso… — Não, Alcci, quem afirma que a extinção atual é um facto são cientistas conceituados entre os seus pares. Dão conferências, mostram dados, mas parece que ninguém os ouve. E dizem mais; dizem que somos nós — a espécie dominante —, que estamos a provocar a extinção em curso. Com a caça intensiva, a introdução de organismos perigosos para os nativos, a destruição dos habitats naturais, a desflorestação, a sobreexploração agrícola, a poluição e o envenenamento com agrotóxicos e hormonas pecuárias. Isto, sem falar do problema que está na raiz de todos estes: o crescimento populacional contínuo da nossa espécie e o consequente sobreconsumo. — Mas sempre houve espécies a desaparecer de maneira, digamos, natural, pela natural seleção natural… — Sim, só que com a nossa ação, a que alguns também chamam natural, mas de extensão e intensidade avassaladoras, a perda de biodiversidade é dez a cem vezes mais rápida. E seremos nós que acabaremos por pagar um preço demasiado alto, pela rápida diminuição do único conjunto de vida que conhecemos no Universo. Ficaremos sozinhos.Sem a concorrência que vencemos, extinguimo-nos também. — Isso não pode ser assim tão dramático, pai. Nós somos a espécie mais bem sucedida de toda a história do planeta... — Este sucesso começa a parecer demasiado catastrófico. Quando há tipos que, como eu, prestam atenção aos problemas ambientais, também não sabem como resolvê-los ou ajudar a minorá-los. A minha “solução” hoje foi esta: deprimir-me. A da nossa espécie devia ser positiva, assertiva, concertada, global, muito profunda. Eu não quero mostrar-te para onde deves olhar, só gostava que tomasses consciência de que há muita coisa a distrair-nos e que nos deixamos alegremente ocupar com problemas menores. A maior razão da minha desesperança é que não acredito que algum dia consigamos inverter o caminho de razia que trilhamos. Quando deteriorarmos o planeta a um nível irreversível, seremos nós a extinguirnos. Ironicamente, essa pode ser a solução para o planeta: livrar-se de nós. Albbano calou-se. Pai e filho mantiveram-se pensativos ainda por algum tempo. Talvez por ter desabafado, Albbano começou a sentir-se com forças para regressar. Em passos brandos, porque já anoitecia, dirigiram-se para casa, em silêncio. Por cima do horizonte, ia nascendo o cometa, que, havia meses, iluminava as noites em todo o mundo. A enorme cauda ocupava já todo o lado nascente do céu. Caminhando para aquele clarão, pareceu-lhes que a esperança num mundo renovado aumentava no seu ânimo.
Partilhamos um conto selecionado para a Antologia 2018-2019.
“Mentes reutilizáveis” por Diana Pinto, Portugal
– Temos que separar! É uma necessidade. – Disse a professora de português no final da aula aos seus alunos do nono ano. Rita saiu da escola e caminhou até à paragem de autocarro sempre a pensar nas palavras da docente. Em casa nunca separavam o lixo. Sempre colocavam os sacos nos caixotes de lixo comum. Era o único que tinham perto de casa. A estudante sabia que seria um problema convencer a mãe a separar o lixo. A progenitora era de mente pouco aberta, tinha medo da mudança e ainda possuía pensamentos do século XX. Era uma mulher cinquentona, trabalhadora e honesta. Seria um desafio para a jovem, mas ela parecia animada. Iria convencer a mãe. Ela tinha a certeza disso. Chegou a casa e entrou na cozinha. A mãe estava a preparar alguma coisa que Rita não conseguiu saber. – Então, querida, como correram as aulas? – Bem. Antes de falar em separar o lixo, Rita começou a tentar convencer a mãe a retirar o plástico do lar. – Podemos começar a utilizar sacos de tecido. – Foi a tua professora quem te disse isso? – Sim. – Pelo menos, não pago dez cêntimos por cada saco. Rita sorriu. – E sem garrafas de água de plástico. Copo térmico para tudo! A mãe olhou, escandalizada. A filha continuou a dizer que teriam que usar cotonetes 100% algodão, ou de metal. A mãe nem sequer sabia que isso existia. – E temos de escolher sempre as embalagens de papel. É pena, mas temos poucas alternativas, de momento. Mas ainda acredito que vamos a tempo de salvar as florestas! 34 A mãe respirou fundo. – Já entendi que percebeste o que aconteceu durante a última aula. – Sim, mãe, sabias que, para os peixes, plástico é uma refeição? – Sim, sei. Mas diz-me uma coisa, tu por acaso sabes que não deitar lixo para o chão também é uma sugestão que todos fazem? Rita engoliu em seco. Era um erro que cometia quando estava a passear na rua. Ela era “adepta” da chamada “lei do menor esforço”. – Quando começares a fazer isso, deixo-te separar o lixo. Caso não saibas, também eu conheço a política dos 3 R’s. Rita saiu da cozinha, envergonhada. Afinal, a mãe já sabia. Mas, pelo menos, agora as duas iriam ajudar o planeta. Iriam fazer a coisa certa.
O ano 2020 foi um ano atípico, por causa da pandemia. Nele acabamos por encontrar todas as fragilidades possíveis dos seres humanos. 2021 continua a ser 2020. O calendário mudou mas tudo continuou, o que em boa verdade, já seria de esperar pois o vírus não tem nada a ver com o nosso calendário. Ficam os fogos de artifício extemporâneo resultado de uma vontade reprimida de normalidade. O Autor deste blog não participou nesta alegria tão desprecavida mas compreende-se esta situação, quem a pode criticar?! Mas temos temos de esperar que o vírus se vá embora ou fincando que não seja uma ameaça.
Ironia foi o filme "O Ano da Morte de Ricardo Reis" ter estreado no ano em que a morte começou a estar presente no nosso dia a dia. Que falta de pontaria! À tragédia das salas de cinema fechadas somou-se o tópico do filme. Veja-se o filme de apresentação, do Inglês trailer, algo que eventualmente poderíamos traduzir de forma mais resumida como cinpub (ou cinematográfica publicidade). Fica a sugestão para uma nova palavra.
Fica ainda uma sugestão de áudio livro para a obra de José Saramago, a qual bebe inspiração em Fernando Pessoa.
Finalmente, para que fique claro que vale a pena confinar, que vale a pena aguardar pelo Verão, fica aqui uma música com um bom ritmo, por Zé Amaro. Pode ser que a variante Europeia do Covid-19 vá de férias no Verão e nos deixe em paz, afinal está claro que prefere as temperaturas mais baixas, ao contrário da variante Amazónica.
O Zé Amaro é um Artista que buscou a sua inspiração na música Brasileira, por sua vez inspirada noutras fontes.