Texto sobre “Uma pastelaria em Tóquio” (2016)
Cheio de poesia, “Uma pastelaria em Tóquio”, um filme dirigido por NAOMI KAWASE, é uma película que nos aprisiona na tela. Praticamente, esquecemos tudo ao nosso redor, até ao ponto em que quase nos recusamos a ser confrontados com o fim desta maravilhosa peça de arte.
Numa primeira aproximação, a história parece ser trivial: num belo dia da primavera, Tokue, uma senhora de 76 anos aproxima-se de Sentaro, o cozinheiro de uma pequena pastelaria. Sentaro vende principalmente dorayaki, um pequeno bolo cheio de geleia de feijão vermelho (azuki) e Tokue explica-lhe que ela sempre quis fazê-los para o público, ela implora pela oportunidade da sua vida, para realizar um sonho. Ele diz-lhe que "não", mas ela deixa uma pequena amostra ... e ele, por fim, aceita.
Adicionalmente, existe uma adolescente chamada Wakana, uma pessoa muito perspicaz, cliente habitual, que, em última instância, também se aplica ao trabalho na loja. Juntos, são uma família, Tokue, como a mãe de Sentaro e Wakana, um membro "místico" que parece agregar todos os sentimentos desses personagens.
Há medidad que a história se desenrola, não podemos imaginar um possível final, mas Tokue dá-nos pistas muito subtis, por exemplo, quando ela fala com todo o mundo natural, algo que pode ser estranho para nós, porque isso significa atribuir à natureza uma importância incomum no contexto de uma cidade ... Há um sentimento de diferença, como sendo uma personagem isolada dentro das paredes cinza dos edifícios de betão ao ar livre. Os olhos de Tokue emanam compaixão e resignação de forma misteriosa.
Só somos capazes de compreender estes sentimentos quando o proprietário do restaurante sabe que Tokue é um paciente que vive num leprosário ... e exige que Sentaro a despeça, algo que ele recusa, mas é forçado a aceitar, por fim.
Quando Sentaro e Wakana visitam Tokue, pela primeira vez, em sua casa, no leprosário, a perspicaz Wakana diz-lhe que devem estar preparados para a possibilidade de encontrar pessoas com caras deformadas e, quando as encontram, verificam que estão falando em grupo, sorridentes, felizes, apesar da sua realidade: eles também são uma família. Esse é o poder de ser aceite como somos ... apesar das nossas diferenças, das nossas diferentes maneiras de ver o universo e as diferentes maneiras como somos vistos por ele ...
Além de tudo isto, não há vingança contra a natureza: a natureza da doença. Pelo contrário, Tokue aceita tudo sem hesitar... especialmente sem palavras, simplesmente com a maneira como ela olha para as flores de cerejeira. Ela se vê como uma parte do mundo natural e talvez o facto de a actriz lidar com um cancro na vida real a ajude com essa tarefa ...
No final, lembramos o momento em que ela explica que teve de libertar o canário que Wakana lhe... afinal, ele lhe pediu que o fizesse ... e isso, combinado com o facto de confessar isso mesmo, depois de falecer, com o recurso de uma gravação em cassete, nos deixa um sentimento final: existe uma prova intemporal de que a nossa mente tem uma profunda necessidade de libertar o paciente da memória de estar doente, para que lhe seja possível ser feliz durante todos os momentos da vida. Esse é certamente o segredo para o doce de azuki feito por Tokue.
Este filme explica-nos, detalhadamente: a capacidade que as pequenas coisas têm para mudar as nossas vidas; a importância das pessoas simples e ainda o poder do acaso, que transforma pequenos momentos nas nossas vidas, em algo tão vasto quanto a galáxia. No entanto, apesar da qualidade do guião, a abordagem fotográfica ajuda, adicionalmente, o Diretor com esta tarefa terapêutica, especialmente com perspetivas inesperadas, as bolhas aleatórias dos feijões derretidos a ferver em calda, e, talvez, com o casaco de Tokue, com cores parecidas com as das flores da cereja, transformando-a a ela e às cerejeiras em algo semelhante a um único ser, como que pintado subtilmente.
Em resumo, este é um filme sobre as pessoas mais importantes: as pessoas simples.
Fica o trailer oficial: